Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

quarta-feira, janeiro 31, 2007

As razões dos médicos

As razões do NÃO explicadas pelos médicos : www.medicosporissonao.com

Os não desejados

É uma crueldade fazer nascer uma criança que não é desejada. Um filho só deve nascer se é desejado e amado. Se uma mulher grávida não deseja o filho já concebido, mas não nascido, deve ter a liberdade de optar pelo aborto.

Este argumento tem sido usado até à exaustão por muitos defensores do SIM. E fazem-no dando-lhe o ar enternecedor de quem "só quer o bem das crianças". Se o embrião falasse, decerto dasabafaria: "Com amigos assim, não preciso de inimigos".
Este argumento não se limita a ser falso. Também é cínico. E hipócrita.
O valor da vida de um "outro", qualquer que seja, não depende, em nada, de quanto eu o "desejo" ou "amo". Esta lógica deixa à vista um retorcido egoísmo. O que mais há por aí são filhos "indesejados", muito contentes e felizes da vida. Porque nasceram, mesmo sem terem sido planeados, desejados ou amados. Nasceram, cresceram, fizeram-se à vida e tiveram muitos filhinhos. E foram felizes. Ou não. Como todos.

Isto não tem, obviamente, nada a ver com a mais que reconhecida legitimidade e necessidade de um planeamento familiar responsável. Mas esse planeamento faz-se a montante da concepção. Como a própria expressão indica. Às vezes os planos falham? É verdade. Mas como em muitos outros sectores da nossa vida, a solução não passa por fingir que não aconteceu nada e seguir adiante. A liberdade não existe sem responsabilidade. Ou entendemos que no que se refere aos filhos concebidos não há responsabilidades que assumir?

Uma razão para o Não

Juntando as vozes do Sim e o Não, parece quase consensual que o aborto é um mal que deve ser evitado.
Se a liberalização aumenta o número de abortos (diz a lógica e dizem as estatísticas) então implementá-la significa não só baixar os braços perante o mal que queremos evitar mas, pior, deixá-lo crescer.
Nem o Sim nem o Não têm pretensões a resolver, em definitivo, o problema do aborto. Votar Sim, no entanto, promove o seu crescimento.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Hipocrisia

Hipocrisia é (entre outras coisas) dizer-se tolerante mas não ter abertura aos argumentos alheios, ao ponto de se projectar nas outras pessoas o que se pensa que elas pensam.

Direito de resposta



Comentário: O aborto já podia ter sido despenalizado, pelo menos no que concerne à pena de prisão, há muito tempo. Mas os políticos fizeram a despenalização refém da liberalização, sabendo que despenalizando esvaziariam em muito a base de apoio do sim a este referendo. A isto (e a outras coisas parecidas, à direita e à esquerda) pode-se chamar terrorismo político.

A vitória do não, no último referendo, deveria pressupôr uma revisão da lei nos aspectos em que se tende a encontrar consensos na sociedade. Tal não foi feito por incompetência e má vontade (e o tal terrorismo) dos governos que entretanto tivémos. E hoje voltamos a ter de escolher entre um sim e um não que mais não são que formas dos políticos sacudirem a questão. É que se o problema é grave e incomoda tantas pessoas, porque é que nada foi feito entretanto? Não seria quase consensual o acabar-se com as penas de prisão, dar-se mais apoios a mulheres grávidas, eventualmente até alargar os casos em que é permitido abortar? Não se poderia fazer isso de forma tranquila e sem referendo? Podia.

Se o sim ganhar, é óbvio o que muda com a liberalização. Mas também é óbvio que enquanto sociedade desistimos de resolver os problemas e relativizamos quando podia haver alternativas. Acabamos com alguns problemas, geramos outros (menos resistências a abortar implica menos protecção a mulheres que sejam pressionadas para o fazerem) e fechamos os olhos aos seres que matamos.

Se o não ganhar, os políticos serão obrigados a encontrar outras formas para lidar com o problema que não o simples adiamento. Da outra vez isso chegou, desta não acredito (espero que não).

Humor

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Em jeito de carta aberta a Jerónimo de Sousa , no desejo de um diálogo construtivo.

29 de Janeiro de 2007

Assunto: Referendo do dia 11

Ex.mo Senhor,

Provavelmente achará estranho que lhe escreva estas linhas. Mas quando li uma notícia sobre uma intervenção sua a propósito do Aborto senti que devia fazê-lo.
V.exa disse que não faz sentido ser pelo não, defender a família e apoiar uma Lei Laboral que reduziu a licença de maternidade e o abono de família. Penso que tem razão. Já falei sobre isso, neste blog, de um modo genérico.


Mas penso também, como disse nessa altura, que a lei do aborto não ajuda as mulheres, sujeitas a essas e outras injustiças da referida Lei. Antes pelo contrário, fragiliza-as. Porquê? Uma mulher sujeita às leis laborais que V.exa crítica que queira continuar com a sua gravidez, fica numa situação muito mais delicada se o sim ganhar o referendo. A ideia do aborto como possibilidade será muito mais forte, mesmo para quem deseja profundamente evitá-lo. O aborto promovido pelo Estado, passa a ser um meio legalmente legitimado para evitar dramas como o despedimento.
Com esta lei o aborto deixará ser um drama motivado por uma realidade injusta, para ser uma solução enganosa dessa injustiça e uma forma de pactuar com ela, escondendo-a.

Na mesma intervenção, V. Exa disse achar estranho que os que defendem as ideias “avançadas” da Europa, em termos de liberalização económica, tenham dificuldade em aceitar as recomendações da mesma Europa para que sejamos mais avançados no que ao aborto diz respeito. O problema é que a lógica que está por de trás de tais supostos avanços é a mesma. A lógica do liberalismo sem regra e da liberalização do aborto aponta no mesmo caminho: a quebra de laços mínimos de solidariedade.


Não cometo a ousadia de lhe pedir que vote Não no dia 11, mas peço-lhe que reconheça que votar não, não significa menor sensibilidade ao drama da mulher do que votar sim.
Sabe, por vezes, as aparências iludem. Penso que ver no sim uma exigência da defesa da mulher é muito mais de que uma ilusão, é um engano.


Obrigado pela atenção.
Atentamente.
José Maria Brito


Notas para os leitores deste blog: perdoem-me a ausência tão longa... (vida de estudo, a quanto obrigas!). Tentarei escrever ainda antes de dia 11. Agradeço a vossa atenção.
Não foi possível link para a notícia do Público Última Hora sobre a intervenção de Jerónimo de Sousa.

O dia seguinte

A indefinição quanto ao que vai ser o dia seguinte, no caso de o sim ganhar, é uma razão muito séria para que se opte pelo não. Um desenvolvimento de algumas questões em aberto pode ser encontrado neste post.

sábado, janeiro 27, 2007

Fala quem sabe

O constitucionalista Jorge Miranda afirma que a legislação saída de uma eventual vitória do Sim violará a Constituição.
"Na lei de 1984 há uma ponderação de valores entre a vida humana e o direito à saúde e dignidade da mulher. Agora não há nenhuma realidade constitucionalmente admissível que justifique pôr em causa a vida humana"
Jorge Miranda também é claro na distinção entre despenalização e liberalização.
“Se a intenção do legislador fosse despenalizar nem valeria a pena levar a questão a referendo" porque "na prática" já se verifica a despenalização, ao não existirem mulheres presas pela prática de aborto. "Admite-se que, numa sociedade plural, uma parte entenda que [o aborto] não deve ser criminalizado. Mas essa parte não pode impor à outra que considere que um mal, um ilícito, seja liberalizado".

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Sobre a liberdade

Texto de Leonardo Boff sobre a liberdade, encontrado aqui (e na sequência deste post):

Minha liberdade acaba onde começa a tua?

Muitas vezes escutamos esta frase, tida quase como um princípio. Nunca vi alguém questioná-la. Mas pensando nos pressupostos subjacentes e nas possíveis consequências, devemos questioná-la seriamente. É a típica liberdade propugnada pelo liberalismo como filosofia política.

Com a derrocada do socialismo realmente existente se perderam algumas virtudes que ele, bem ou mal, havia suscitado como o sentido do internacionalismo, a importância da solidariedade e a prevalência do social sobre o individual. Com a ascensão ao poder de Thatcher e de Reagan voltaram furiosamente os ideais liberais e a cultura capitalista: a exaltação do indivíduo, a supremacia da propriedade privada, a democracia delegatícia, por isso reduzida, e a liberdade dos mercados. As consequências são visíveis: atualmente há muito menos solidariedade internacional e preocupação com as mudanças em prol dos pobres do mundo do que antes.

É neste pano de fundo que deve ser entendida a frase "a minha liberdade acaba onde começa a tua". Trata-se de uma compreensão individualista, do eu sozinho, separado da sociedade. É a liberdade do outro e não com o outro. Para que a tua liberdade comece, a minha tem que acabar. Ou para que tu comeces a ser livre, eu devo deixar de sê-lo. Consequentemente, se a liberdade do outro não começa, por qualquer razão que seja, significa então que a minha liberdade não conhece limites, se expande como quiser porque não encontra a liberdade do outro. Ocupa todos os espaços e inaugura o império do egoísmo. A liberdade do outro se transforma em liberdade contra o outro.

Essa compreensão subjaz ao conceito vigente de soberania territorial dos estados nacionais. Até aos limites do outro estado, ela é absoluta. Para além desses limites, é inexistente. A consequência é que a solidariedade não tem mais lugar. Não se promove o diálogo, a negociação, buscando convergências e o bem comum supranacional. Por ocasião da crise do gás entre o Brasil e a Bolívia assistimos à vigência deste conceito de liberdade neoliberal e de soberania individualista, manifestada por muitos. Normalmente quando esse paradigma entra em função, se instaura o conflito para cuja solução se apela à força. A soberania de um esmaga a soberania do outro, sacrificando a liberdade. Foi sabedoria do Presidente Lula não se pautar por esta lógica e não ter desistido, para irritação de gente do velho paradigma da força e do troco, de incansavelmente dialogar e de buscar convergências com o presidente Evo Morales. No que efetivamente foi bem sucedido mostrando que a política do ganha-ganha é possível e preferível à do ganha-perde.

Por isso, esta deve ser a frase correta: a minha liberdade somente começa quando começa também a tua. É o perene legado deixado por Paulo Freire: jamais seremos livres sozinhos; só seremos livres juntos. Minha liberdade cresce na medida em que cresce também a tua e conjuntamente gestamos uma sociedade de cidadãos livres e solidários.

Por detrás desta compreensão da liberdade solidária se encontra o princípio humanista: "faze aos demais o que queres que te façam a ti". Ninguém é uma ilha. Somos seres de convivência. Todos somos pontes que nos ligam uns aos outros. Por isso ninguém é sem os outros e livre dos outros. Todos são chamados a serem livres com os outros e para os outros. Como bem deixou escrito Che Gevara em seu Diário: "somente serei verdadeiramente livre quando o último homem tiver conquistado também a sua liberdade".

Sobre o debate em si

Texto retirado daqui, e encontrado aqui (e na sequência deste post):

[Torna-se] evidente o fenómeno social mais curioso do debate sobre o aborto. Como em muitos outros debates públicos, o objectivo não é realmente persuadir as pessoas de que a posição mais defensável é a nossa. Se o objectivo fosse esse, os argumentos das feministas e dos cristãos, para dar apenas dois exemplos, seriam sinal de carências cognitivas gritantes, pois os argumentos usados por estas pessoas são geralmente concebidos para serem inócuos para quem não aceita os seus pontos de partida — a sua atitude religiosa perante a vida, num caso, ou a sua atitude libertária com respeito à condição feminina, no outro. O que se passa é que as pessoas usam o debate sobre o aborto para "contar armas". O objectivo da feminista não é persuadir o religioso, por exemplo, a mudar de ideias; o objectivo é exaltar quem já aceita os pressupostos feministas, de modo a arregimentar partidários contra o religioso, exibindo-os publicamente para mostrar a força do movimento. O mesmo se pode dizer do religioso que argumenta contra a permissibilidade do aborto com base no carácter sagrado da vida: tudo o que ele quer realmente é apresentar números impressionantes de apoiantes que partilham a sua fé, contra as bestas dos ateus e das feministas. Em ambos os casos, trata-se de usar um tema de interesse público para acordar do sono complacente aquelas pessoas que no fundo já concordam connosco mas não se manifestam publicamente. É por isso que se usam argumentos que são obviamente inócuos para quem discorda de nós — o objectivo não é persuadir essas pessoas, mas sim esmagá-las com o número de apoiantes da nossa causa que conseguimos acordar e tornar activos. Curiosamente, esta estratégia de usar o problema do aborto para "contar armas" falhou completamente aquando do último referendo. Pois a taxa de abstenção foi tal que se tornou evidente que a maior parte da população não achou necessário juntar-se a qualquer das facções que tão diligentemente procuravam acordar os seus correligionários.

Usar um debate público para "contar armas" sugere que quem o faz não acredita pura e simplesmente na argumentação. Isto é, não acredita que seja possível chegar a resultados relativamente consensuais usando argumentos com premissas universais, ou tão universais quanto possível, que todas as pessoas possam aceitar. É por isso que tal pessoa não tenta sequer persuadir directamente quem não concorda com ela; ao invés, procura mostrar-lhe indirectamente que, se é feminista, ou católico, ou de direita, ou de esquerda, ou jovem, ou mulher, etc., então tem de votar num certo sentido e não noutro. Mas será verdade que não é possível encontrar argumentos que usem premissas universais, ou tão universais quanto possível?

[...] defender que o aborto não é permissível ou que é permissível recorrendo à "contagem de armas" e à força bruta do número de apoiantes é uma atitude antidemocrática e ditatorial. O voto dos cidadãos não deve reflectir as suas origens, preconceitos, modos de vida, opções religiosas ou ideológicas, mas antes a sua reflexão imparcial, séria e informada sobre o que consideram obrigatório ou permissível, para toda a gente, à luz da razão pública. Qualquer decisão pública sobre a permissibilidade ou não do aborto terá de responder a razões universais, que qualquer cidadão de boa-fé possa aceitar, independentemente das suas opções religiosas, ideológicas ou outras. Procurar impor a toda a população uma medida que só é defensável usando argumentos feministas ou religiosos é um acto antidemocrático, inaceitável numa sociedade livre.

Infelizmente, esta é atitude que impera na nossa jovem democracia — e não apenas em relação ao aborto. Talvez este seja o resultado de um país que só em breves momentos conheceu regimes democráticos e livres: não se acredita na argumentação racional. Enquanto persistir esta descrença, a nossa democracia será frágil e meramente formal. O debate público sobre o aborto — ou melhor, a algazarra irracional sobre o aborto — é preocupante precisamente por isso.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Liberalização

A campanha do SIM apresenta-se revestida de humanismo, preocupação social e desejo de justiça.
Mas convém dizer claramente o que acontecerá se o SIM ganhar no referendo: toda e qualquer mulher poderá abortar, até às dez semanas, por qualquer razão, ou sem razão nenhuma. Bastará dizer que quer.
É isto que se referenda.
A despenalização é um pretexto, falso ainda por cima, para a total liberalização. Todos sabemos isto.
Bom seria que os defensores do SIM assumissem, de uma vez, que é esta liberalização que querem. E estão no seu direito. Mas assumam-no.
Não vendam gato por lebre.
Não nos falem de humanismo quando querem "margem de manobra".
Não nos falem de preocupação social, quando pretendem legitimar extensões de liberdades pessoais.
Não reclamem justiça, quando exigem um direito sem nenhuma responsabilidade.

Todos compreendemos que esta pretensão é mais difícil de tornar popular... Por isso se embrulha no tal humanismo e vontade de justiça, com fitinhas de modernidade e avanço civilizacional. A ver se pega...
Se estivessem certos que a liberalização é uma coisa boa, procamá-lo-iam abertamente. Se pensassem mesmo que estão certos, não mentiriam. Se acreditassem, de facto, naquelas patetices de "A barriga é minha" e outras parecidas, não perderiam tempo a dar voltas pelo caminho escusado da despenalização.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Assim não

Segui a sugestão de um anónimo no post anterior e fui visitar o Assim Não. Segue-se uma "comunicação" de Marcelo Rebelo de Sousa, encontrada nesse site:

Maior rigor nos números

Como noutros debates democráticos, os números são um elemento importante. No caso do aborto, não tanto para decidir o certo e o errado (a moral e a ética não se definem por maioria, pertencem à consciência), mas para verificar a dimensão do problema e avaliar as soluções propostas.
Um dos números essenciais neste debate é o do aborto clandestino.
O testemunho de Bernard Nathanson, um dos mentores do movimento que conseguiu a legalização do aborto nos Estados Unidos, em 1973, e entretanto se transferiu para o campo oposto, revela como os dados sobre o aborto clandestino são importantes para a opinião pública.
Curiosamente, e ao contrário de 1998, a dimensão do aborto clandestino tem estado quase ausente na argumentação do Sim. Penso que isso se deve ao seu “esvaziamento”. De facto, das centenas de milhares de há uns anos atrás, passando pelos 40.000 de Outubro passado, nos Prós e Contras, chegou-se, no recente estudo da Associação para o Planeamento da Família, pró-legalização, ao intervalo entre os 17.260 e os 18.000 abortos clandestinos por ano.
Se este número não retira importância ao problema, mesmo que fossem 100 ou 20 estávamos a falar de dramas humanos e, portanto, merecedores de toda a atenção, retira-lhe a dimensão fatalista que apela à impotência perante a pretensa onda social invencível. Além disso, permite aquilatar com maior rigor se com a legalização diminuem ou aumentam os abortos realizados (um dado importante, já que, tanto do lado do Sim como do Não, o aborto é visto como algo a evitar).
Em resumo, julgo que com dados mais fiáveis do que no referendo anterior, seja no número de abortos ilegais, seja, num exemplo do lado oposto, na datação correcta das imagens de fetos abortados, estamos agora em melhores condições para decidir. Que o façamos, então, em consciência.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Outras intervenções

Um pouco de música, para variar.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Razoabilidade

A liberalização do aborto até às dez semanas acrescentaria liberdade e direitos àqueles que defendem o sim e permitiria aos defensores do não continuarem a defender os seus valores e a não adoptar o aborto como possibilidade nas suas vidas. Votar sim seria garantir a liberdade de toda a gente; votar não, mutilaria a liberdade a uma parte da população.
Este argumento tem sido apresentado por muita gente, de muitas maneiras. E, à primeira vista, parece razoável.
Acontece que não é.
A liberdade tem limites que, nas nossas sociedades são definidas pelo direito.
Eu não preciso de uma lei que me proíba roubar: livremente, poderia decidir não o fazer.
O que está em causa é a definição dos limites da liberdade individual. Que todos aceitamos pacificamente enquanto membros de uma comunidade, em muitas matérias e de muitas maneiras.
A dificuldade, por todos percebida, é onde colocar os limites neste tema concreto.
O que aborrece os defensores do argumento supracitado é que eu considere necessário que a definição desses limites proteja o embrião. Eles preferiam traçar o limite um pouco a jusante, em nome da liberdade da mãe. Percebo.
Acontece que eu, e muitos como eu, estamos convencidos que o valor intrínseco do ser humano por nascer é superior ao valor da maioria das possíveis razões que a liberdade materna possa invocar (as excepções admissíveis já estão contempladas na actual definição de limites). E por isso postulamos pela consagração em lei dessa protecção.
Não se trata, portanto, de mutilar a liberdade de ninguém. Trata-se, apenas, de lembrar os limites já existentes da nossa liberdade. Reconhecidos pela lei, mas impostos por uma razão objectiva e externa: a existência de outro ser humano, digno da mesma liberdade e dos mesmos limites.
Não está em causa a compreensão dos argumentos de um lado e de outro. Todos somos dotados de inteligência capaz de compreendê-los. Acontece que compreender não significa concordar. E, chegados aqui, a razoabilidade passa pela aceitação das regras democráticas: votemos.
Pacificamente e sem insultos.

Números

Considero que os números não são muito importantes (são frios; não pessoais), mas aqui estão.

QUAIS OS MOTIVOS QUE LEVARAM À DECISÃO DE ABORTAR?

Era muito jovem: 17,8%

As condições económicas não o permitiam: 14,1%

Por não desejar ter filhos: 13,2%

Tinha tido um filho há pouco tempo: 10,4%

Companheiro rejeitou gravidez: 9,4%

Instabilidade conjugal: 9,1%

Pressões familiares: 8%

Problemas de saúde: 4,2%

Malformações do feto: 3,3%

Já não tinha idade para ter filhos: 2,6%

Outro motivo: 8,1%

ONDE FOI REALIZADO O ABORTO?

Numa casa particular: 39,4%

Clínica privada: 32,2%

Consultório médico: 18,2%

Hospital público: 6,9%

Em casa: 1,3%

QUEM A ACOMPANHOU

Marido/Companheiro: 34,2%

Familiar: 28,5%

Uma pessoa amiga: 24,7%

Outra pessoa: 3%

Ninguém: 9,5%

EM QUE CIRCUNSTÂNCIAS ENGRAVIDOU?

O método contraceptivo que estava a usar falhou: 20,8%

Não estava a usar qualquer método contraceptivo: 46,1%

Descuido ('enganou-se' nas contas): 15%

Não faz ideia/Não sabe explicar: 18,1%

QUE IDADE TINHA QUANDO FEZ O PRIMEIRO ABORTO?

De 13 a 16 anos: 3,8%

De 17 a 20 anos: 30%

De 21 a 24 anos: 20,6%

De 25 a 34 anos: 35,6%

De 35 a 46 anos: 10%

PRÁTICA DO ABORTO POR REGIÃO

Norte: 12%

Centro: 17,1%

Lisboa: 16%

Sul: 19,7%

Portugal Insular: 3,5%

DADOS DA ASSOCIAÇÃO DO PLANEAMENTO FAMILIAR

14,5%. Portuguesas em idade fértil que já terão abortado: cerca de 350 mil.

85,7%. Interrompeu a gravidez em Portugal; 39,4 por cento em casa particular.

27,9%. Não usou preservativo nem qualquer outro método de contracepção.

72,7%. Mulheres que interromperam o aborto até às dez semanas de gestação.

34,2%. Foram acompanhadas pelo marido/companheiro; 28,5% por familiar.

29,4%. Sentiu muitas dores durante o aborto cirúrgico; 31,9% sentiu algumas.

56,5%. Teve hemorragias; 43,6% problemas emocionais; 19,1% infecções.

45%. O aborto foi feito por um médico; 30,6 por uma parteira; 13% enfermeira.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Funerais

Na sequência deste post... diz o Paulo,sj aqui:

"A propósito dos funerais, na situação do estatuto do embrião, devo dizer que a Igreja realiza as exéquias ao feto com morte intra-uterina, a pedido dos pais. "

O resto do comentário também merece ser lido. Cito um pouco:

A questão do aborto, além de estar a camuflar outros problemas sérios na sociedade (curiosamente até podem ser a causa para que haja a decisão de abortar), tem provocado uma onda de discussões, muitas vezes de surdos. Não é pelo facto de votar Não que vou deixar de escutar quem votará Sim. Agora, não acho correcto o facto da questão se estar a tornar partidária levando a que não se aborde outras questões sérias para a união da sociedade.

Em vez de se olhar para o aborto, olhe-se para as causas que levam ao aborto. Essas é que tem de ser investigadas e resolvidas. E não é com o aborto, pois é o caminho mais fácil. Acredito que não se tome a decisão de abortar de ânimo leve, mas porque é que se toma essa decisão?

Este comentário, que parte do pressuposto de que o aborto em si é um mal, parece reflectir o pensamento de que a resolução das causas que levam ao aborto esvaziariam esta discussão. Neste contexto, votar sim seria interpretado como dizer "eu até podia resolver os problemas que te levam a querer abortar, mas prefiro permitir que abortes para não ter de me incomodar".

Sobra uma questão que não foi muito perguntada ainda: a sociedade consegue resolver evitar/resolver as causas que levam as mulheres a abortar e que não estão ainda previstas na lei? Se sim, não é um imperativo moral resolvê-las?

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Uma opinião

Ainda sobre este post, cito de um texto que encontrei aqui:

Sobre o defensor da legalização do aborto recai o fardo de explicar em que altura o feto passa a ter o direito à vida, dado que temos de aceitar que tanto um ser humano adulto como uma crianca recém-nascida têm o direito à vida. Há varios critérios propostos na bibliografia, sendo que os seguintes são os mais comuns: concepção; implantação; forma humana; aceleração; actividade cerebral inicial; actividade organizada do córtex cerebral; viabilidade. Sou a favor do critério da actividade organizada do córtex cerebral. Vou rapidamente passar em revista todas as posições e explicar porque é que esta posição parece a correcta. Há ainda outra posição: o gradualismo. De acordo com o gradualismo, o feto vai progressivamente adquirindo direitos ao longo do tempo. Tanto quanto pude perceber, o gradualismo não recebe grande atenção na bibliografia de bioética.

O resto do texto merece ser lido. Começa por desmontar argumentos dos dois lados, antes de oferecer a sua opinião, que fundamenta com cuidado. Acaba por defender o "sim". Pessoalmente, não concordo com ele em alguns pontos, como por exemplo, quando afirma:

Há ainda uma última posição que, tanto quanto me pude aperceber, não é muito discutida na bibliografia de bioética, mas que aparece, de vez em quando, em debates públicos: o gradualismo. O gradualismo é a posição de que o direito à vida é uma questão de grau, e que o feto vai progressivamente adquirindo maior direito à vida à medida que a gravidez avança no tempo. Há um sentido trivial em que concordo com o gradualismo: a partir da vigésima quinta semana, o feto vai adquirindo progressivamente maior direito à vida, e, em termos morais, matar um feto com 30 semanas não é, certamente, a mesma coisa que matar um feto com 40 semanas. No entanto, não é possível usar o gradualismo para argumentar a favor da posição de que o zigoto tem o direito à vida. Ao usar esta linha de argumentação, uma pessoa estaria a cair, subtilmente, no erro de usar o chamado "argumento dos dois minutos", que, como já vimos, é falacioso.

O tal argumento dos dois minutos consiste no seguinte:

Primeiro, nota-se que a criança, quando nasce, tem o direito à vida. Depois, acrescenta-se que não há grande diferença entre a criança dois minutos antes de nascer e agora, que acabou de nascer. Isso significa, certamente, que tinha o mesmo direito à vida dois minutos antes de nascer. E, se a coisa é assim, então certamente também teria o direito à vida quatro minutos antes de nascer. E por aí fora até ao momento da concepção. [...] Este argumento é falacioso. Para ver que é, basta pensar no seguinte argumento análogo, que é claramente falacioso:

O Jorge não é careca; o Zé tem menos um cabelo na cabeca do que o Jorge; logo, o Zé também não é careca. O Eduardo tem menos um cabelo na cabeça do que o Zé; logo, o Eduardo também não é careca. E, como a diferença de um cabelo não parece ser suficente para delimitar a fronteira entre os carecas e os não carecas, chegamos ao caso do Manuel, que não tem qualquer cabelo na cabeça. Para sermos consistentes, devemos dizer que o Manuel também não é careca, o que é claramente falso.


Contesto que os argumentos sejam análogos. O último baseia-se na finitude do número de cabelos. Ou seja, retirando-se os cabelos um a um, fica-se com nenhum. Porém, no primeiro argumento, o valor do qual estamos a subtrair é o valor da vida de um recém-nascido. E este é infinito (penso que poucos discordarão). Tudo muda. Dois minutos antes de nascer, não havendo grande diferença, a vida da criança não-nascida ainda tem um valor infinito. Quatro minutos antes, também. E assim até ao momento da concepção. Ou seja, o problema da contra-argumentação do texto que cito é que atribui por comparação um valor finito à vida.

Enfim, não sou filósofo... Mas acredito que temos todos a ganhar de uma discussão séria. O texto que cito, independentemente da posição defendida, é um bom contributo.

Nota explicativa: Este texto foi editado ao 11º comentário, tendo-se suprimido a adjectivação (abusiva, porque minha e não sou autorizado para tanto) do autor do texto de filósofo.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Estratégias

O espírito militante, tanto do lado de sim como do lado do não, deixa pouco espaço à serenidade. Pseudo-superioridades morais classificáveis de clubísticas fazem pouco por um debate que tantas vezes se reduz a uma troca de frases feitas e a uma conversa de surdos.

As questões que coloco são: isto seduz alguém? O objectivo dos dois lados é convencer as pessoas a qualquer custo, sem olhar a meios. Ganhe-se o que de positivo virá de escolher sim ou de escolher não, será que vale mesmo a pena? O que se perde em termos de (ainda mais) estupidificação, bipolarização primária e superficialidade, será que poderemos vir algum dia a recuperar?

A super-simplificação a preto e branco da vida causa estragos. Tristemente, parece-me que ganhe o lado que ganhar, todos viremos a perder. Seremos vítimas da nossa (sentido lato, porque em qualquer deserto vai havendo oásis) ganância de vitória.

Esclarecer

O jornal da minha região tem esta semana duas páginas com entrevistas de rua sobre o referendo. As opiniões, mesmo que não recolhidas com critério científico, parecem confirmar sentimentos e ideias generalizadas que vale a pena ter em conta, agora que estamos perto do início da campanha para o referendo. Assim:
- A grande maioria das pessoas considera que na barriga da mãe está uma vida humana, independente da progenitora, e não aceita o aborto como método contraceptivo;
- Parte dos apoiantes do Sim sustentam a sua posição na abertura a situações já previstas na actual lei, como o risco para a saúde da mulher e a malformação do feto;
- A condição financeira e social precária da mulher e /ou o elevado número de filhos são argumentos decisivos para muitos apoiantes do Sim e para alguns abstencionistas.
Estas constatações revelam a necessidade de uma aposta forte, por parte da campanha do Não, no esclarecimento e clarificação do que já existe e do que está em jogo no referendo. Nos seguintes pontos:
- A lei actual já permite a interrupção voluntária da gravidez nos casos de malformações no feto, violação e perigo para a saúde da mulher;
- A liberalização aplica-se tanto à mulher pobre como à rica, tanto à mãe de cinco filhos como à que nunca foi mãe, tanto à adolescente de quinze anos como à rapariga de trinta, tanto à moradora em Cascais como à da Cova da Moura - sendo aprovada a nova lei, até às dez semanas de gravidez qualquer mulher, em qualquer circunstância, pode determinar o fim da vida do feto que traz dentro de si sem outro critério que não seja a sua vontade;
- A actual lei prevê atenuantes para a mulher económica e socialmente fragilizada que realize um aborto voluntário – essa é uma das razões porque nos últimos trinta anos nenhuma mulher foi presa por ter decidido abortar.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Ideias simples

À medida que o referendo se aproxima, as posições vão-se extremando. Quase sem dar por isso, quem tem parte activa na campanha, acaba por perder-se em "tiros ao adversário".
Não é essa a minha intenção. Nem vale a pena.
Considero mais útil insistir em ideias simples.

1. Não é relevante o dinheiro que se gasta ou se poupa em qualquer dos casos. Não é uma questão de dinheiro.

2. Os casos "razoáveis", interpeladores de toda a consciência e do simples bom senso (violação, malformação ou perigo de vida da mãe), já estão previstos na lei e assim vão continuar.

3. Não há mulheres presas por aborto, e as que foram a julgamento continuariam a ir, caso a proposta de referendo fosse aprovada, uma vez que se referem a abortos realizados muito depois das dez semanas.

4. O prazo das 10 semanas é arbitrário, sem fundamentação científica nem outra qualquer que se possa aceitar como razoável.

5. A pergunta do referendo não se limita à despenalização, mas a uma liberalização sem qualquer limite.

6. Por muitas voltas que se lhe dê, "abortar é mandar uma vida à viola".

Repetir estas ideias pode parecer maçador. Mas perdermo-nos em novelos argumentativos parece-me perda de tempo.
Quem olha para a vida da perspectiva de uma ética de cuidado, não pode aceitar o aborto. Cuidar de mim, do outro e do meu contexto vital é promover soluções dignificadoras de todo o ser humano. Que cada um pode fundamentar nas mais variadas convicções. Mas uma certeza transversal percorre todas essas possíveis argumentações: cuidar não pode passar por eliminar.
Cuidar é acarinhar, ajudar a crescer, querer bem, estimular o bom, o belo e o verdadeiro. Com compromisso, responsabilidade e um uso "cuidadoso" da liberdade.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Estatuto do ser não nascido

Gostaria de repescar alguns argumentos, que tocam um ponto da discussão que creio que interessa (independentemente do sentido de voto) clarificar e aprofundar.

No momento da concepção, é gerado um ser igual a nós? Eu diria que não. Nem uma semente é uma árvore, nem fazemos funerais quando há abortos naturais de poucas semanas. Entre salvar 100 embriões ou um bebé nascido, não hesitaria em salvar o bebé... Cito o CA: "tentar uma valorização do embrião ou do feto como pessoa humana nascida pode levar à loucura".

Porém, parece-me que ninguém no seu perfeito juizo daria a sua aprovação a um aborto medicamente assistido aos 7 meses (excepto em caso de risco de vida para a mulher).

Neste momento, há uma descontinuidade artificial, induzida pela lei, em relação ao que vale a nova vida (digo-o sem emitir juizos morais) que se gera. Alguns parecem querer fundamentar essa descontinuidade, ou uma outra semelhante, na medicina - ver um exemplo de uma tal discussão aqui.

O CA propõe aqui uma alternativa: "uma valorização e defesa graduais do novo ser desde que é zigoto até que chega ao fim da gestação".

Ao que o Rui Fernandes contrapõe: "Concordo consigo [...]. Mas o carácter humano está presente por si só no novo ser, desde que ele existe - não é gradual, tem valor em si mesmo e merece não ser deixado à sorte do livre arbítrio de alguém (não há aqui loucura - certo?). Quanto ao ser pessoa, sim, é gradual. E, dependendo dos critérios considerados, até pode ser gradual a vida toda".

domingo, janeiro 07, 2007

Em caso de vitória do sim

O que se ganha:

- intervenções médicas garantidas, e portanto menos perigoso para a mulher que aborta;

- o permitir-se às mulheres e às famílias terem um maior controlo sobre quando querem ter filhos;


O que se perde:

- o reconhecimento, por parte da sociedade, de qualquer valor ao nascituro com menos de x semanas;

- a prioridade de dar condições a mulheres e famílias que queiram ter o filho e não possam (nestes casos, em vez de se resolver o problema, empurram-se algumas pessoas para uma "solução" não desejada);

- maior uso do aborto enquanto meio de evitar a gravidez - banalização do aborto;

(querem-me ajudar, por favor, a reunir os pós e contras, em jeito de resumo?)

terça-feira, janeiro 02, 2007

RTP

Que giro, vi este blog aparecer (escassos segundos) na televisão, numa peça sobre blogs do "sim" e do "não".

Antes que a fama me suba à cabeça, aproveito para desejar a todos um bom 2007!

Toda a pequena palavra sim

Eu quero tanto que Tu venhas, invocação primeira e secreta, e tanto por angústia e morte sentida, por interesse em pânico, pequeno cristal que estremece desde a mais pequena infância, oh Tu o Sem Nome que o primeiro frémito de vida própria chama em grito e adoração por si oh sim por mim próprio.

O louvor em brisa, temor e tremor, o louvor Sem Nome. O louvor pela própria vida, a vida Sem Nome que atravessa o frémito oh raios me atravessa e me dá nome desde sempre Sem Nome.

É verdade que é mal Sem Nome apagar qualquer nome secreto, de todo o ser e consciência que se abre à presença viva, que aqui se rasga como uma pequena tremura que rapidamente desaparece. Não apagues o nome Sem Nome que pulsa desde o primeiro florescimento até ao fenecimento da flor ida, assim grita a fala que nos atravessa desde o primeiro estertor, oh sim sem dúvida é o primeiro mandamento da vida, fundante como uma verdade real, são terríveis todos os males Sem Nome que perpetuamos diariamente.

Mas a letra da lei é surda, não passa duma pequena sombra segunda da própria angústia, e consegue tanto sair desta como a larva morta tornar-se borboleta. Por isso se clama e apela algo de fora, algo da vida própria e real que a transfigure e simplesmente lhe dê vida, à angústia e assim à lei e a toda a palavra apagada ou esquecida ou simplesmente incerta.