E a religião?
Antes de procurar eu mesmo responder a estas perguntas, esclareço de que é areia de mais para a minha camioneta. Não apenas responder, mas também perguntar (quantas vezes formular as perguntas não é mais difícil que encontrar as respostas?). Se escrevo este post é porque confio na inteligência de quem lê este blog de dirigir a conversa para onde ela deve ir, porque o conflito religião vs discussão pública do aborto é um tema importante.
Antes de mais, acho que há várias formas de encarar a religião. Enquanto católico*, acredito que a religião não é algo que se impõe à razão, mas antes é também consequência da mesma. Assim, na linha de declarações recentes do Papa, sinto-me capacitado a usar da plenitude da minha razão em qualquer discussão. O que procuro, no imediato, não é a vontade de Deus, mas o bem dos homens (sabendo que são coisas coincidentes). O meu discurso, de religioso, passa assim a humanista, logo aceitável?
Levanto eu próprio uma objecção ao que acabei de dizer. Eu acredito no valor da razão, mas também acho que a mesma é limitada. Há coisas que hoje aceito simplesmente como são, sem tentar perceber. Algumas caem no domínio da Fé. Neste caso, tenho o direito a impôr aquilo em que acredito sem entender? O único conhecimento válido é o que nos é dado pela razão, ou os saltos de Fé que dou são bases válidas para responder à pergunta do referendo?
Se calhar questiono apenas de uma forma quase infantil qual deve ser o papel da religião numa democracia, que espaço existe para a mesma. Mas acho que do mesmo modo poderia perguntar qual o papel das ideologias (no nosso contexto, pertencer-se ao BE, PCP, PS, PSD, CDS ou outro, por exemplo; ou ainda a forma como cada um de nós vê o Estado e o contrato social que cada indivíduo tem com o mesmo) em qualquer discussão cívica? Que tipo de argumentos são aceitáveis? Que meios deve cada um de nós ter à sua disposição para decidir? É a racionalidade pura? Mas partindo de que pressupostos?
Em conclusão, eu acho que a religião enquanto conjunto de imposições dogmáticas não deve ter lugar nesta discussão. Porém, a religião enquanto forma de viver e interpretar a vida, essa é uma tendência natural do homem. Argumentos de autoridade (do tipo "a Igreja diz...", "Deus quer...") parecem-me ridículos. Mas uma racionalidade 100% livre e pura é coisa que nunca vi, e seria utópico pedir a uma pessoa que se dispa dos seus fundamentos.
O importante parece-me ser encontrarmos uma linguagem comum, de tolerância e liberdade, que respeite todos e cada um. Não me parece líquido que esta deva excluir que uma pessoa assuma as suas crenças.
Expus-me um pouco demais neste post. Mas é também uma forma de ir ao fundo das coisas.
* revelar a minha religião, neste contexto, é inoportuno ou sinal de honestidade mental? É ou não relevante?