Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

segunda-feira, outubro 30, 2006

O papel das emoçöes

As opiniões sobre o aborto, de um e outro lado, assumem muitas vezes um carácter marcadamente emocional. Partem de emoções e/ou pretendem suscitar emoções.
Os defensores de um debate mais racional, tendem a afastar-se deste tipo de argumentação, centrando a discussäo em questões de princípio bioéticas, jurídicas ou filosóficas.
No entanto, se há momento em que as emoções jogam um papel decisivo, é quando uma mulher tem de tomar esta decisão terrível, perante o facto consumado de uma gravidez: abortar ou não abortar.
E perante o Referendo, no momento de votar SIM ou NÃO, a perspectiva emocional de abordagem do problema é também decisiva.
Convém, portanto, não menorizar a componente emocional, quer no contexto da decisão de interromper ou não a gravidez, quer na adesão a um ou outro sentido de voto na próxima consulta popular.
Por agora, centremo-nos neste segundo aspecto.
A emoção, como a raíz do termo indica, é o que "nos move para". As emoções são, portanto, a matéria prima da motivação e é esta que leva à acção. Podemos, assim, dizer que a emoção é um ingrediente primário e fundamental da acção. Em que é que isto se relaciona com o presente debate?
Boa parte da argumentação em favor do SIM pretende, directa ou indirectamente, criar uma empatia com a figura da mulher envolvida. Desde a referência às consequências do aborto clandestino, até à inquietante injustiça de ver a mulher que abortou sujeita a uma pena de prisão, todo o discurso apela a uma empatia com a mulher. E, claro, quem não se comove diante do sofrimento humano, sobretudo se contextualizado num quadro de pobreza, marginalidade e impotência?
Do outro lado, muitos dos que defendem o NÃO, procuram centrar essa empatia no ser gerado. Daí a importância dada a fotografias de fetos onde se descortine já, com nitidez, a forma humana; o recurso a termos como bébé, criança, pessoa, que escapem à frieza científica das células, zigotos e embriões, bem como um permanente apelo aos nobres sentimentos de carinho, simpatia, ternura e cuidado pelo mais fraco e desprotegido.
Uns e outros sabem, mesmo que inconscientemente, que o sentido de voto se inclinará para o lado onde se centrar empatia de cada um.
Neste campo, os defensores do SIM têm uma vantagem nada desprezível: podem apresentar uma mulher concreta, que se pode exprimir e que é protagonista de relações emocionais; que ama e é amada; que pode ser conhecida e com a qual se pode estabelecer uma relação empática. Que se pode olhar nos olhos e perceber o que sente, precisa e deseja.
A desvantagem dos defensores do NÃO é o facto de o embrião ser ainda um "ser oculto", sem laços estabelecidos, com o qual é mais difícil criar empatia. Ainda não se pode olhar nos olhos para se perceber, emocionalmente, como pessoa.
Apetece aqui invocar Levinas, sobre a importância fundamental deste "olhar nos olhos do outro" para se descobrir, diante de nós, uma pessoa inteira, digna de respeito e possuidora dos mesmos direitos.
Mas a verdade é que essa pessoa está lá. E é, além disso, o elemento mais frágil; digno, portanto, não só da nossa empatia, como do nosso instinto/dever protector.

Este blogue...

...tem mais um colaborador de grande nível: o CA e seus pontos de vista.

Nota

Quebre-se um pouco a regra do mutismo. A questão do aborto mexe com o sexo e com a morte. Falar destes conceptualmente, retira-lhes o contexto vivido onde as tensões que estão em jogo melhor se mostram. Não quero aqui fazer nada senão dar voz àqueles onde estas tensões mais doem e confundem. Nós, os protegidos, os que podemos e pensamos saber discutir e debater, bem que podemos ouvi-los um pouco.

Nenhum desprezo conduz o meu discurso, tão só a vaidade humilde de que o conseguirei mais ou menos fazer, e que este é mais ou menos um bom momento e ocasião para o fazer. A humildade, é a daqueles que de algum modo estão despojados do que os permitiria participar do debate; e a sobranceria, é toda minha. Peço perdão por esta, e também e sobretudo o peço, por não lhes conseguir dar voz como eles merecem. Vale-me a afirmação evangélica, que eles entrarão primeiro no reino dos céus do que eu, embora eu espere e anseie e tudo pense fazer para – também lá entrar.

Quanto à questão do aborto em si (que raio será isto?) que não se deixe de chamar os bois pelos nomes e agarrá-los pelos cornos. Chamo aborto à aniquilação dum ser humano em gestação. Naturalmente, talvez seja possível determinar quando começa o processo de vida humana pessoal.

O que me interessa aqui, todavia, é que uma imensa maioria das mulheres que abortaram, assim como uma menor maioria dos que as acompanharam, sabem que – foi um filho que mandaram à viola. Sei também que cada vez que uma criança nasce em amor, é como se o mundo inteiro se redimisse. Conheço quem não se atire da ponte, simplesmente porque há crianças que continuam a rir e a brincar. Mas a verdade é que estarei sempre do lado das mulheres que abortaram, assim como de quem as acompanhou e amparou, pois sei que apenas uma mínima minoria (e até, nem sei se há exclusões) o fez como se arrancasse um dente. Elas sofrem uma dor e uma coragem que nós homens nunca conheceremos directamente. A sua pena, já a sofreram para além do que qualquer juízo humano possa apreender, o que não se pode dizer do farisaismo que as condena.

A verdade então, é que não estou aqui para fazer qualquer tipo de campanha, nem convencer seja quem fôr a votar ou não votar seja o que fôr, o que aliás não é de todo o meu género. Poderá parecer ilegítimo a muitos então, a minha presença aqui. E devo dizê-lo, que é legítimo que tal lhes pareça.

O Manuel tomou o risco de me convidar para participar deste blog, conhecendo já o meu intratável carácter, e seja dito para os menos atentos, sem partilhar dos meus pontos de vista e vida ou dos que aqui tento trazer, ou melhor dito - sem que a questão se ponha. A liberdade e a confiança com que ele o fez, cada um poderá julgar delas. Quanto a mim, se este senhor é padre, isso mostra que o cristianismo e a igreja (ou as igrejas, o que será isto?) têm tudo para dar e dizer ao mundo, e o salvar. Tudo, entenda-se, o amor, pois que o resto cristologicamente – nada é.

E isto nada tem que ver com concordâncias teológicas, doutrinais, pastorais ou coisas do género.

Muito obrigado, Manuel, do fundo do coração, por seres como és.

Pronto.

E se nada legítima ou ilegitimamente impedir, a procissão de desatinados segue dentro de momentos.

Nota à nota: Talvez devesse ter começado por esta nota. Realmente, e não sei muito bem porquê, tenho a impressão que começo sempre as coisas de viés.

Nota à nota da nota: De viésissimo, a primeira mulher com quem fiz amor, engravidou, e acabámos por decidir abortar a criança numa clínica portuguesa. Foi uma coisa horrível, para ela, para mim, para a criança que não nasceu nem morreu espontânea ou acidentalmente, e para mais umas quantas pessoas que connosco o viveram (incluindo Deus e alguns anjos, sobre-evidentemente). Nada de dramatismos de pacotilha, claro, passam-se coisas bem mais e bem menos horríveis por este mundo fora. Mas não poderia deixar de o dizer. É uma das sombras de mim que sempre habitará a minha alma.

Nota à nota da nota da nota e à nota da nota e à própria nota: Ufa!...

domingo, outubro 29, 2006

Agradecer e sugerir

Agradeço ao Lutz a delicadeza e simpatia com que refere a minha controbuição para o debate.

Sugiro que, quem quer acompanhar uma «conversa» interessante a propósito das relações da cultura Burguesa com o Aborto, faça um peuqeno passeio começando por aqui, indo até ali tendo também em conta as reacções daqui.
Tirando o texto que deu origem à polémica não coloco links directos porque são vários....
terão mesmo que pescá-los entre o timshel e o quase em português.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Aborto e imposição Moral

Um dos grandes argumentos usados para defender o voto no sim prende-se com a convicção de que o Estado não pode impor a moral aos cidadãos.
Tentemos analisar este argumento.

Ao longo do nosso dia cada um de nós faz inúmeros juízos de valor: sobre o tempo, o patrão, as relações que temos e outros assuntos bem menos triviais.
Também é o que acontece, quando um conjunto de pessoas se senta para procurar construir uma lei. Cada uma dessas pessoas tem uma determinada concepção de vida, valora de forma distinta aspectos da vida humana. Uma Lei não nasce do vazio. Qualquer lei tem como pressuposto um ou mais juízos de valor. Uma determinada perspectiva moral.

Neste caso concreto que juízo de valor será esse?
Parece-me esse juízo se pode expressar no modo como se responde à seguinte pergunta:


Será que o embrião humano se reveste de um valor tal que vale a pena defendê-lo e protegê-lo nas situações em que uma mulher considerar que não tem condições para ter um filho?

Colocada assim a questão pode parecer que se incorre numa simplificação. Mas esta aparente simplificação, não significa que a resposta não seja encontrada por intermédio de uma ponderação séria, por vezes tensa, dos valores em «confronto».

Em meu entender esta pergunta é prévia às considerações sobre o modo concreto como os valores aqui em confronto podem ser protegidos. Os mecanismos que se encontrem para defender estes valores terão que ser deduzidos da resposta que seja dada a esta questão.
Mas, qualquer que seja o valor que se defenda como prioritário, há sempre um juízo de valor, haverá sempre uma moral «imposta» pelo Legislador.

Pessoalmente entendo que o Valor “vida do embrião humano” deve ser protegido.
É bom realçar que a proposta que é feita não está pensada para situações específicas de problemas económicos, sociais ou psicológicos. Não digo isto para que se pense que se assim fosse a minha posição seria outra, mas julgo ser importante ter consciência que o único critério que está previsto é o da decisão da mulher.

Perante esta chamada de atenção poderá dizer-se:

1- Ninguém aborta porque quer
Se reconhecemos que ninguém quer abortar porque não nos empenhamos em criar condições para que isso não aconteça? Será que não estamos a pactuar com os motivos que tantas vezes estão na origem desta opção. O problemas económicos e sociais resolvem-se com medidas que os combatam na raíz, não com medidas de resignação.
Será que a melhor forma de minorarmos o sofrimento que está na origem desta situação é oferecer a possibilidade de um sofrimento ainda maior?

2-Ninguém é obrigado a abortar
Se usado pelos mesmos que usam o argumento anterior, parece-me que se entra numa certa contradição. Porque se ninguém aborta por querer e se os abortos acontecem, então é porque há situações que obrigam a tomar essa decisão, que forçam a liberdade da mulher que decide terminar com a gravidez.
Em meu entender a vitória do sim potencia essa pressão.
E pode conduzir a que a liberdade de mulheres que efectivamente não queiram abortar seja forçada.
Todos sabemos que nas entrevistas de emprego é frequentemente perguntado às mulheres se estão a pensar engravidar.
Ora uma mulher que se encontre numa situação de emprego precário (contrato a termo), e que engravide não pode ter nesta lei e em insinuações a ela ligadas uma forma de pressão?

Finalmente, por agora, queria dizer alguma coisa sobre a questão da Criminalização.
Obviamente que, imaginando o quanto um Aborto mexe com a intimidade da mulher e sobretudo, imaginando o sofrimento que este lhe provoca, fere a nossa sensibilidade imaginar que a tudo isto possa ser acrescentada uma pena.
A criminalização foi uma das formas que o legislador encontrou para expressar que entende como valor a defesa da vida do embrião humano.

Não conheço suficientemente os mecanismos do direito para saber que outras formas pode uma Lei encontrar, para expressar este mesmo valor.
Posso dizer que gostava que, nos casos em que o Aborto resulta de uma situação de sofrimento real que está para além da liberdade da mulher, isso fosse possível.
Mas não me parece que a solução para esta situação seja a despenalização (tal como é proposta é uma liberalização) do aborto.

E, entendo também que liberalizar o Aborto é impor uma moral à sociedade...

Nota: esta é apenas a minha primeira abordagem a este tema. A complexidade deste assunto implica que ele seja abordado a partir de várias considerações que não podem ser aprofundadas todas ao mesmo tempo e ao mesmo nível.
Implica também que por vezes, como aconteceu hoje, o textos sejam um pouco longos. mas prefiro, neste caso, ser longo e não ser lido do que ser lido correndo o risco de ser excessivamente simplista.

Razoes do sim

Se participo neste blog, subentende-se a minha posição de fundo.

Mas gostava de esclarecer aquilo que penso: eu acho que o referendo é um absurdo, porque o "sim" ou o "não" que é pedido aos portugueses nao é apenas uma resposta à pergunta que é colocada. Há muitas outras perguntas subjacentes que não é lícito misturar. Assim, mesmo que a pergunta seja linear e fácil de interpretar, há leituras políticas distintas para cada resposta.

Tudo isto me leva a crer que não faz sentido que haja um referendo. A pergunta estará sempre mal colocada, porque nem um "sim" nem um "não" respondem aos problemas que efectivamente temos. Porém, na minha opiniao, é desejável que esta discussão se processe, e há bons motivos para tal. Acho que o grosso da lei não deve mudar, mas há situacoes que têm de ser revistas.

Para mim, não faz sentido que uma mulher vá para a cadeia porque abortou. E faz muito menos sentido que a sociedade (o Estado, aliás) lave as mãos e não apoie as mulheres que necessitem.

Considero ser muito útil para o debate que discutamos as razões do "sim". Que vejamos o que está mal na lei actual, ou melhor, na sociedade actual. Estou em crer que muitos dos que defendem "não" poderão concordar com as críticas. E até aposto que quase todos concordaríamos que a resposta às nossas preocupações passa por muita coisa, mas não por um referendo.

Amigos defensores do "sim" (se me permitem que assim os interpele), fazem-me o favor de dizer o porquê?

Chegar ao Não por outros caminhos

Com um ponto de partida totalmente distinto do meu, há quem possa vir a chegar à mesma opção no dia do Referendo.

"Isto não é o acessório - isto é o essencial. Estar grávido não é uma doença. E só em casos excepcionais, aliás já previstos na lei em vigor, é que pode ser considerado um problema de saúde. E não o sendo, e havendo centenas de milhares de pessoas que estão efectivamente doentes sem terem da parte dos hospitais públicos a resposta que lhes é devida, é uma obscenidade ocupar salas de cirurgia e tempo médico com interrupções da gravidez. À pergunta do referendo eu votaria "sim". Mas se envolverem equipamentos do Estado no processo a minha resposta será, inevitavelmente, "não". "

(José Miguel Tavares,«Por favor, discutam comigo» in DN - 21-10-2006; ler artigo completo aqui.)

quinta-feira, outubro 26, 2006

A opinião pública e a despenalização do aborto

"...este é um tema sobre o qual todos ou quase todos teremos várias considerações contraditórias e a vários níveis nas nossas cabeças.
Daqui resultam implicações empíricas e um corolário. Nos últimos dias, já vimos sondagens sobre a despenalização do aborto, realizadas num curto espaço de tempo, produzirem resultados altamente discrepantes. (...)
O corolário é mais simples: nada está decidido".
Ler artigo integral no Outras Margens, de Pedro Magalhäes
(Obrigado JS, pela sugestäo)

Declaração de príncipios para o debate

1 – O embrião é uma vida Humana

2 – Insultar não é modo de argumentar, daqui se deduz o ponto seguinte.

3 – Defender o voto do não, não é o mesmo que querer condenar as mulheres à cadeia, do mesmo modo que, defender o voto do sim, não é ser um potencial assassíno.

4 – Esta é uma questão complexa, quase sempre associada a experiências de sofrimento. Da minha parte, espero unir clareza, pudor e honestidade intelectual nos argumentos que vier a apresentar. Mas isto não significa que não denuncie todos os enganos que julgo estarem na base da argumentação do sim.

5 – Estarei sempre disponível, nos limites do que a minha disponibilidade permitir, a discutir com quem concorda e com quem discorda da mina posição.

Nota final: Agradeço ao Manel o desafio para estar aqui e o tom que quis dar a este Blog.
Espero entrar nesta discussão durante o fim-de-semana.
Até já...

Vanda

Eu não sou cristã.

Mas vocês que o dizem ser, estão a milhas de perceber o que se trata quando é dito Procurai o reino dos céus e o resto virá por acréscimo.

Metem-me todos nojo, com as vossas certezazinhas acerca da vida e da morte e do amor, incrustados em estruturas ideológicas que perpetuam o vosso desespero e a vossa morte e a vossa vidinha neurótica, com as vossas familiazinhas e igrejinhas e empregozinhos de merda que defendem alienados, com os sonhos dos vossos desejos essenciais amarfanhados em projecções hollywoodescas de morte e desespero tornados conto cor de rosa para princesas e princípes que só no dragão concebem o seu amor.

Anacoretas que confundem o seu medo da vida com o anseio pelo divino – no melhor do melhor dos casos.

Anda praí tanta merda ideológica, que tem mais que ver com a estrutura machista que configura as nossas relações sexuais, afectivas, profissionais, religiosas, identitárias e por aí fora até às íntimas representações de nós próprios e dos outros, conscientes e inconscientes.

Ver a mulher como essencialmente (e obrigatoriamente, e éticamente) mãe e irmã e esposa, é evidentemente um ponto de vista masculino egotizado. Que nos habita no quase mais fundo do ser e do tempo.

Aliás, por compensação também, mas sobretudo por golpe de ataque a tudo isto mais que interiorizado, neste referendo, só as mulheres deviam votar. Separá-las, mesmo que simbolicamente, do jugo dos homens, é tarefa de libertação de ambos (homens e mulheres).

Enquanto a oposição dentro de nós nos divide e impede em absoluto qualquer tomada profunda de consciênca, deixem-nos foder o dia, vós que ao longo destes milénios de terror, acabaram por foder a noite.

Talvez então as trevas se dissipem, e possamos por fim ver o dia e a noite abraçados no seu esplendor.

Pobres merdosos patriarcais.

Do mesmo modo que vocês me amordaçaram a boca e a cona para ir a bordéis e fazer guerras e dominar o mundo diurno, eu saí para o mundo da noite, e com vagabundos ébrios e feiticeiras participei em orgias e tresvarios, desesperei e sacrifiquei bebés e beijei a boca do demónio, tal como vós o fazeis ao vosso modo. Somos o verso e reverso do mesmo contrato, são as trevas que nos reúnem, as mesmas desesperadas feridas e distâncias.

A minha voracidade já foi momento de libertação, atrevimento desesperado da harmonia perdida, esquecida, impossível de entrever. Os vossos olhos de morte nunca me poderão julgar. Não têm ponto de vista para tal. Teriam de enfrentar primeiro essa obliterada harmonia, que nunca conhecemos e que nos é dada imediatamente sob a forma do esquecimento e terror.

Eu já abortei e o quê que quer dizer se pequei ou não pequei ?… Fiquei doente física e espiritualmente, como ficam doentes os homens que guerreiam justamente… E então, querem fazer o quê ? Voltamos para trás, mulheres em casa e no bordel e abortando em degredo e desprezo ?... Só de pensar que há gajas que vão nesta conversa... Estremeço-me de nojo, escravazinhas dos patriarcas…

Reparem até… nenhuma gaja nos contributors deste blog.

Pobres homens e mulheres separados, interiormente divididos : mijo-vos na palavra.

Ainda é o mais educado que posso fazer.



Nota do Vítor: Por motivos e motores de vida e pensamento, eu não votarei no dito referendo nem não, nem sim, nem talvez. O que faço aqui, pergunte-se à Vanda.

A vossa atenção, por favor!

Este blogue começa hoje uma nova fase. Chegaram reforços. E dos bons!
A partir de hoje, o "Razões do Não" passa a ser um blogue colectivo. Por aqui vai aparecer a opinião e o génio do David Bengelsdorff, do relapso /me, do Vitor Mácula, do Zé Maria Brito e do Zé Ribeiro. E talvez outros que ainda cheguem...
Somos pessoas muito diferentes, com posturas, formações e sensibilidades muito diversas. Mas estamos de acordo num ponto: diante da pergunta que vai ser posta a referendo, a resposta é não.
Para já, uma vitória assegurada: a blogosfera em geral e este blogue em particular, vão ficar muito mais interessantes.

Feios, porcos e maus

Nos dias que correm, afirmar publicamente a intenção de votar NÃO no Referendo sobre o aborto, é ser imediatamente incluído numa categoria nada abonatória para os visados: fundamentalistas católicos e de direita.
É mentira.
Neste blogue recusamos, liminarmente, ser incluídos em tão estreita e obtusa categorização.
Todos sabemos que a técnica é antiga: trata-se de descredibilizar o adversário, torná-lo porco, feio e mau, de modo a tornar quase repugnante juntar-se a "tal tipo de gente". Por isso, defender o NÃO é ser ignorante, trazer na alma o cheiro ranço a incenso e sacristia, ser misógino, fascistóide e fanático.
É mentira.
Há muita gente de esquerda que pensa votar NÃO.
Há muita gente católica, protestante, budista, muçulmana, judia, (...), agnóstica, ateia que pensa votar NÃO.
Há muita gente ideologicamente moderada que pensa votar NÃO.
Há muita gente culta que pensa votar NÃO.
E, claro, há muita gente bonita, criativa e sexy que pensa votar NÃO.
E todos estes votam NÃO porquê? Simplesmente porque é a resposta certa.

terça-feira, outubro 24, 2006

Sintomas de pressa...

"Pedro Nunes (Bastonário da ordem dos médicos) considera ridículo que o Ministério da Saúde já esteja disponível para pagar no privado os abortos ao abrigo da lei, num país onde a meio do ano já não existem pílulas contraceptivas para distribuir nos centros de saúde, onde o preservativo e as pílulas do dia seguinte são caros, se esteja a pensar fazer convenções para praticar abortos em clínicas privadas".
Quem quiser ler a entrevista publicada no Público (acesso restrito), pode fazê-lo aqui.

O que está em causa

As partes em confronto sobre o aborto concordam em muito poucas coisas. Isto deve-se a um conflito básico. Não é um conflito entre o justo e o injusto, o moral e o imoral, ou entre matar ou não matar, embora seja esta, demasiadas vezes, a forma simplista de apresentar o problema.
Trata-se, sobretudo de um conflito entre dois valores positivos: a vida e a liberdade. E repare-se que lhes chamei positivos, mas não absolutos. Nesta altura, olhemos para eles assim e tentemos perceber a sua importância na nossa vida e a forma como os pensamos. Não valem respostas óbvias...

O que aí vem

O anúncio de um novo referendo é também o anúncio de muitas crispações. O debate que se avizinha não vai ser bonito. E não vai sê-lo porque a realidade que o motiva é feia em si mesma. E nisto, se calhar só nisto, estamos todos de acordo.
O prometido esclarecimento vai transformar-se, em crescendo, em radicalizações dos discursos de uma e outra parte, em caricaturizações da argumentação contrária e dos seus defensores, até se caír num "assanhamento" generalizado.
Não será fácil, neste clima, manter a serenidade e a vontade de participação construtiva. No entanto, pela importância do tema, vale a pena, pelo menos, tentar.

A opiniäo de um jovem

No Quebra-Gelo.

domingo, outubro 22, 2006

As minhas razöes

No próximo referendo sobre o aborto, votarei não.
As razões que sustentam esta posição são fáceis de entender, embora discutíveis, como todas.

1. Entendo que a defesa da vida humana é um princípio civilizacional basilar. Oponho-me a tudo o que possa significar o direito de alguém atentar contra a vida de outrém.

2. Entendo que, a partir da concepção, estão reunidas todas as condições para o desenvolvimento vital de uma pessoa, que se prolongará desde esse momento até à sua morte natural. Não reconheço, portanto, que possa existir legitimidade numa intervenção que vise interromper este processo.

3. Os direitos da mulher, que reconheço, não incluem o direito de dispôr da vida do ser humano gerado.

4. Estas convicções não me impedem de compreender a complexidade do papel da mulher e o seu sofrimento, bem como algumas situações limite que devem ser encaradas com humanidade. Desta humanidade devem derivar, em meu entender, dois princípios orientadores:
a) A mulher não deve ser penalizada quando o aborto é feito em situação de extrema necessidade. Isto supõe a despenalização, mas não a descriminalização. Defendo, portanto, que o aborto possa ser encarado como "crime sem pena".

b) As situações limite - malformação do feto, risco de vida para a mãe e violação - já são contempladas na actual legislação, pelo que não necessitam nova cobertura legal.

Sei que esta posição é passível de crítica e contém algumas contradições intrínsecas. Mas os problemas complexos não têm soluções simples. E, em consciência, não posso extirpar essas contradições sem caír em radicalizações, num ou noutro sentido. Este é o ponto de equilíbrio entre os princípios fundamentais que perfilho e o sentido de humanidade que defendo.

Apresentaçäo

A marcação de um novo Referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez volta a trazer à actualidade o debate e o confronto de opiniões sobre o aborto e tudo o que ele envolve.
Quem defende o "SIM" pode ter muitas e razoáveis razões que tornam compreensível a sua posição, sem que se devam reduzir à categoria de "pró-aborto". Quem defende o "Não" encontra muitos e variados fundamentos para as suas convicções, sem que possam, no entanto, reduzir-se à categoria de "pró-vida".
Neste debate, transversal à sociedade portuguesa, virão ao de cima argumentos de carácter científico, ideológico, religioso, ético, político, social, cultural e económico. Uns e outros esgrimirão razões como se de evidências se tratassem. Uns e outros cairão em simplificações perigosas.
Neste problema, como aliás em tudo na vida, a realidade não é a preto e branco. Mas também é verdade que, no dia do Referendo, tudo se resume a um SIM ou a um NÄO.
Este blogue, de fim anunciado para o dia seguinte à consulta popular, pretende ser um espaço de esclarecimento, comprometido com uma intenção de voto. Defende o Näo.
Aqui se recolherão textos informativos, opiniões e reflexões de gente unida nessa intenção de voto, mas díspar na sua ideologia, filiação política, religião e em tudo o mais que possa conformar a cosmovisão de cada um.