Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Sobre a liberdade

Texto de Leonardo Boff sobre a liberdade, encontrado aqui (e na sequência deste post):

Minha liberdade acaba onde começa a tua?

Muitas vezes escutamos esta frase, tida quase como um princípio. Nunca vi alguém questioná-la. Mas pensando nos pressupostos subjacentes e nas possíveis consequências, devemos questioná-la seriamente. É a típica liberdade propugnada pelo liberalismo como filosofia política.

Com a derrocada do socialismo realmente existente se perderam algumas virtudes que ele, bem ou mal, havia suscitado como o sentido do internacionalismo, a importância da solidariedade e a prevalência do social sobre o individual. Com a ascensão ao poder de Thatcher e de Reagan voltaram furiosamente os ideais liberais e a cultura capitalista: a exaltação do indivíduo, a supremacia da propriedade privada, a democracia delegatícia, por isso reduzida, e a liberdade dos mercados. As consequências são visíveis: atualmente há muito menos solidariedade internacional e preocupação com as mudanças em prol dos pobres do mundo do que antes.

É neste pano de fundo que deve ser entendida a frase "a minha liberdade acaba onde começa a tua". Trata-se de uma compreensão individualista, do eu sozinho, separado da sociedade. É a liberdade do outro e não com o outro. Para que a tua liberdade comece, a minha tem que acabar. Ou para que tu comeces a ser livre, eu devo deixar de sê-lo. Consequentemente, se a liberdade do outro não começa, por qualquer razão que seja, significa então que a minha liberdade não conhece limites, se expande como quiser porque não encontra a liberdade do outro. Ocupa todos os espaços e inaugura o império do egoísmo. A liberdade do outro se transforma em liberdade contra o outro.

Essa compreensão subjaz ao conceito vigente de soberania territorial dos estados nacionais. Até aos limites do outro estado, ela é absoluta. Para além desses limites, é inexistente. A consequência é que a solidariedade não tem mais lugar. Não se promove o diálogo, a negociação, buscando convergências e o bem comum supranacional. Por ocasião da crise do gás entre o Brasil e a Bolívia assistimos à vigência deste conceito de liberdade neoliberal e de soberania individualista, manifestada por muitos. Normalmente quando esse paradigma entra em função, se instaura o conflito para cuja solução se apela à força. A soberania de um esmaga a soberania do outro, sacrificando a liberdade. Foi sabedoria do Presidente Lula não se pautar por esta lógica e não ter desistido, para irritação de gente do velho paradigma da força e do troco, de incansavelmente dialogar e de buscar convergências com o presidente Evo Morales. No que efetivamente foi bem sucedido mostrando que a política do ganha-ganha é possível e preferível à do ganha-perde.

Por isso, esta deve ser a frase correta: a minha liberdade somente começa quando começa também a tua. É o perene legado deixado por Paulo Freire: jamais seremos livres sozinhos; só seremos livres juntos. Minha liberdade cresce na medida em que cresce também a tua e conjuntamente gestamos uma sociedade de cidadãos livres e solidários.

Por detrás desta compreensão da liberdade solidária se encontra o princípio humanista: "faze aos demais o que queres que te façam a ti". Ninguém é uma ilha. Somos seres de convivência. Todos somos pontes que nos ligam uns aos outros. Por isso ninguém é sem os outros e livre dos outros. Todos são chamados a serem livres com os outros e para os outros. Como bem deixou escrito Che Gevara em seu Diário: "somente serei verdadeiramente livre quando o último homem tiver conquistado também a sua liberdade".

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Ok; fico contente por saber que também vão acabar com a caça e condenar os caçadores. Vida é vida, humana ou não. Vamos todos cantar a Vida.

3:13 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

aki ninguem é bom da cabeça! SIM AO ABORTO

7:28 da tarde  
Blogger Ka said...

Se ser "bom da cabeça" é apostar na morte, eu prefiro não ser "boa da cabeça"!!!!

11:12 da manhã  
Blogger andre pinto said...

Olá a todos!
Queria colocar uma questão a todos sobre esta liberdade..
Quem tem mais liberdade, a mãe? Ou o filho?
No meu ponto de vista têm os dois igual liberdade!
A minha liberdade não acaba quando começa a tua...Mas temos os dois tanta liberdade um como o outro, certo? Ou não?

Um exemplo real...Um familiar meu vai ser pai, depois de concluir uma curso superior e de o casamento se ter consumado há 3 meses. Tendo estas pessoas uma vida estável, não existe qualquer tipo de problema...
Agora há uma questão pertinente! Esta gravidez não era esperada, e deveu-se a uma anomalia ormonal que "cortou" o efeito da pílula (não resultando da toma de qualquer tipo de medicamento, ou de qualquer outro motivo não natural).
neste caso estas pessoas têm a sorte de ter uma vida estável,mas será que quando isto acontece a uma pessoa sem condições, quer seja por dificuldades económicas graves, quer por uma qualquer dependência (droga,bebidas acoólicas), será que essa pessoa tem o direito, ou a liberdade de impor uma infância traumatizante de uma criança que não existe? será que a criança tem a liberdade de impôr uma existência forçada aos seus pais?

Pedia que me ajudassem nesta questão...
Obrigado!

3:59 da manhã  
Blogger /me said...

André,

a pergunta não tem certamente resposta simples.
Podia tentar responder-te (ou seja, dar-te a minha opinião, que vale o que vale) com outras perguntas: será que os pais têm o direito de dispôr da vida da criança que ainda não nasceu?

Mas pronto, não íamos a lado nenhum.

Pessoalmente, acho que temos de atender aos direitos dos dois lados. Não podemos (e por isso é que defendo o não) dizer que até às 10 semanas não há direitos nenhuns de um lado e há todos do outro.

Ou seja, admito discutir em que situações é que o aborto deve ser permitido. Mas permitir em todas as situações, acho negativo.

2:37 da tarde  

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