Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

sexta-feira, novembro 24, 2006

O perigo do "pacote"



A sociologia e a psicologia social explicam à saciedade as formas como o indivíduo é influenciado pelo grupo e pelo ambiente cultural em que vive. Esta influência chega, sem grande esforço, diga-se, ao ponto de convencer o indivíduo que o que pensa, diz e faz é fruto exclusivo da sua liberdade quando, de facto, não passa de interiorização de pensamentos, discursos e comportamentos impostos pela socialização.
É verdade que a sociedade é plural, porque complexa e alargada. Isto faz com que, dentro dela, haja grupos mais pequenos, onde se sentem e expressam "tendências". Estas "tendências" aglutinam, normalmente, um conjunto de valores, princípios e condutas que as diferenciam de outras. Através de um processo de interiorização, o sujeito faz seus esses valores, princípios e condutas.
Acontece que, enquanto expressão de "tendências", estes grupos tendem a aderir a "pacotes ideológicos": conjuntos de ideias, aglomerados de princípios, que surgem ao sujeito como globalidades definitórias de pertença.
Esta conversa toda para dizer que o "direito ao aborto" faz parte de um desses pacotes. Ou melhor: há muito quem queira fazer crer que assim é. Daqui decorre a sua inclusão, frequentemente, no mesmo pacote dos direitos das mulheres, da luta contra a violência de género, dos direitos das pessoas homossexuais, do direito ao divórcio, etc...
Esta concepção dificulta a análise diferenciada de cada um dos problemas. O indivíduo sente-se compelido a estar com os do seu grupo na defesa do "pacote". Afirmar uma posição contrária num tema específico é auto-marginalizar-se do seu enquadramento socio-cultural. Implica sentir-se um pária...
Dir-me-ão que exagero. Que qualquer indivíduo medianamente inteligente sabe fazer as necessárias distinções. E eu digo que muitos indivíduos, superiormente inteligentes, em contexto de tendência socio-cultural, acabaram muitas vezes por embarcar nas maiores patetices...
Ao indivíduo inseguro, integrado num grupo alargado, de tendência favorável à despenalização do aborto, restam três atitudes:
1. A influência social "obriga" o indivíduo a aparecer externamente como aderente, embora não esteja intimamente convencido, em consciência. Boa parte dos que se encontram nesta situação farão parte das grossas listas da abstenção.
2. O conformismo social é tão penetrante que induziu já a uma adesão convencida e não simplesmente externa ou aquiescente. Estes votarão sim, no dia do referendo, convencidos de estarem a exercer a mais pura das liberdades.
3. O sujeito sente-se parte do grupo, adere à maior parte das ideias e valores do "pacote ideológico", mas resiste ao conformismo nesta questão específica, afirmando a sua independência. Estes votarão não no referendo, pese embora o desconforto social, de motivação interna e externa, que enfrentam.

Estes mecanismos de influência social funcionam também, obviamente, em sentido inverso, afectando, nesse caso, os que vivem e se integram em grupos e contextos culturais onde a tendência é a contrária.

13 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Pois! As pessoas mantêm-se geralmente fieis às suas crenças, aos seus princípios e formas de pensar, valores culturais, experiências vividas e decidem em função disso e também muito em função das dificuldades que tiveram nas diversas vivências ao longo da vida e as más contam muito.
Perante isto é muito difícil que as pessoas mudem atitudes e opiniões.
Mas é preciso esclarecer e alertar as pessoas quando neste caso concreto está tanta coisa em causa.
E não è tentando manipular ou aproveitando-se das "fraquezas" grande maioria destas pessoas - e muitos dos que defendem o sim têm esta atitude e incitam ainda mais à uma revolta que muitas pessoas pelas suas experiências sempre tiveram e levam outras a acreditar mesmo na injustiça da despenalização e que o mais justo é liberalizar,para conseguirem votos. O que falha é que não há ,nem nunca houve e o problema é esse, esclarecimento e informação correcta e coerente, honesta e real para as pessoas terem um ponto de vista mais fundamentado que seja a base de uma decisão mais verdadeira e não baseada em revoltas ou negligências, ...

11:38 da tarde  
Blogger fernando alves said...

Parabéns pelo post.
Penso exactamente da mesma forma. Há muita gente insegura e com fracas convicções do lado do sim.

4:08 da tarde  
Blogger BLUESMILE said...

Em termos de análise sociológica, se ubstituires o vocábulo Sim pelo Não, o teu discurso aplica-se na íntegra.

Ou seja o teu discurso não é uma análise sociológica no sentido comtiano do termo, mas uma naco de propaganda ideológica.

5:22 da manhã  
Blogger Manuel said...

Bluesmile

É impressionante como tu comentas em funçäo de preconceitos sem sequer te dares ao trabalho de ler os textos.
Experimenta ler o último parágrafo do meu post para te dares conta da oportunidade que perdeste para estares calada...:)

Os mecanismos de influência social funcionam em todos os grupos.
Acontece que, neste caso, a "tendência" socio-cultural maioritária, ou, pelo menos, com maior visibilidade mediática, tende para o lado do SIM. Daí que o meu texto aborde esse lado, tentando mostrar como podem funcionar as coisas.
Experimenta ler primeiro e comentar depois. E lê tudo...

Abraço

11:50 da manhã  
Blogger BLUESMILE said...

Li o texto , manuel.

Experimenta fazer a leitura do que escreveste, do ponto devista oposto. Basta um pouco de elasticidade mental. Verás que é um exercício interessante.


"neste caso, a "tendência" socio-cultural maioritária, ou, pelo menos, com maior visibilidade mediática, tende para o lado do SIM"

Bem, pelo manos admites uma evidência.

E porque será, já pensaste?

SErão essas pessoas todas mentecaptas? isentas d evlaores morais? Insensíveis aos valores da vida e do amor ?
SErá a minoria que apregoa a prisão ads mulheres a dona da verdade? Tem essa minoria a legitimidade pra impÕr os seus padrões de moraliddae a todos os outros?
Com que legitimidade?

Se o sentido ético jurídico da maioria das pessoas numa comunidade vai num determinado sentido, qual a legitimidade de se impor uma legislação contrário a esses valores juridicamente relevantes???

Tanta hipocrisia é chocante.

1:57 da tarde  
Blogger Pedro Leal said...

manuel

Bom poste. Perceber o contexto torna mais eficaz a a acção. Provavelmente o resultado final vai depender da capacidade do Não em convencer os do Não que estão na zona do Sim que vale a pena pagar o preço de alguma ostracização por votar em consciência.

bluesmile

"Se o sentido ético jurídico da maioria das pessoas numa comunidade vai num determinado sentido, qual a legitimidade de se impor uma legislação contrário a esses valores juridicamente relevantes???"

É para definir esse sentido que se fez o referendo.

2:28 da tarde  
Blogger BLUESMILE said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

5:45 da tarde  
Blogger BLUESMILE said...

Mas o manuel ( e tu mesmo) partiram do pressuposto de que esse sentido Já ESTÀ DEFINIDO!!!

( E têm razão: No nosso país existe um claro sentimento dominante favorável á despenalização... pelo menos é o que indiciam todas as sondagens e a observação empírica - os comportamentos concretos das pessoas...SEm falar nos últimos resultados eleitorais..)

5:47 da tarde  
Blogger Manuel said...

David,

Estou de acordo. Foi precisamente nessa linha que entendi necesário direccionar o texto. Acho que há muita gente ainda sem opiniäo claramente definida e que vai "pender" para um lado ou outro em funçäo deste tipo de variáveis.

1:51 da tarde  
Blogger Manuel said...

Bluesmile,

Para já, näo está definido. Como bem diz o David, para isso se propöe o referendo...

E mesmo que uma clara maioria defina uma tendência, näo quer dizer que eu considere essa tendência "correcta" ou positiva para a vida social. Aceitando, naturalmente, as regras da democracia, mas sendo sempre livre de dizer o que penso. E penso, frequentemente, aliás, que por muito que uma maioria defina tendências, nunca será garantia de acerto... :)

1:57 da tarde  
Blogger BLUESMILE said...

Manuel:
O referendo não vai definir tendências nem a o sentido ético dominate na nosa comunidade sobre a descriminalização do aborto.
Esse sentido está claramente definido.
E só ele explica que a ctual legislação não seja aplicada e que ninguém a queira ver aplicada ( até os que vão votar NÂO).
Por isso é que há quem invista na abstençaõ...

Quando muito , o referendo vai APENAS tentar contabilizar em números de votos essa tendência..

Quanto aos acertos das maiorias... são as limitações e as consequências de vivermos em Democracia...Num Estado de Direito Democrático seguem-se as regras da maioria...

4:19 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pois, é exactamente assim:

Como nas outras questões que referes - e em muitas outras, estou de um certo lado, presume-se que na questão do aborto ( ou da eutanásia ) também estou ...

E, como não estou, sou tratado pelos meus "correligionários" como um imbecil, um atrasado mental, um ponta-de-lança dos desígnios obscurantistas do Vaticano ( EU? DO VATICANO? ).

Ora, já estou habituado: Quando, em meio eclesial, me afirmo ( em boa parte ) homossexual praticante e feliz de o ser, peça perfeitamente encaixada no puzzle divino, é a mesma reacção - um ponta-de-lança dos desígnios dissolventes do relativismo moral ( EU? DO RELATIVISMO MORAL? ).

Tanto me dão uns como os outros.

ZR.

6:40 da tarde  
Blogger BLUESMILE said...

Tem piada ZR:

Eu tenho sido tratada como uma "mentecapta", "moralistóide", " "abortista" "relativista moral", e até , ó supremo insulto, "feminista"...

Hà mesmo quem tenha crises de histeria apocalíptica quando me afirmo católica...e.. praticante.. e comungante...e questionanate... e ouso desviar-me do "pacote ideológico" do grupo!!!

Tenho mesmo sido "aconselhada fraternalmente" a não expór as minhas dúvidas metódicas.

Por isso gostei da análise do manuel.
Aplica-se integralmente a uma certa "ideologia católica". Se és católico, levas o pacote todo.

7:03 da tarde  

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