Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

segunda-feira, outubro 30, 2006

Nota

Quebre-se um pouco a regra do mutismo. A questão do aborto mexe com o sexo e com a morte. Falar destes conceptualmente, retira-lhes o contexto vivido onde as tensões que estão em jogo melhor se mostram. Não quero aqui fazer nada senão dar voz àqueles onde estas tensões mais doem e confundem. Nós, os protegidos, os que podemos e pensamos saber discutir e debater, bem que podemos ouvi-los um pouco.

Nenhum desprezo conduz o meu discurso, tão só a vaidade humilde de que o conseguirei mais ou menos fazer, e que este é mais ou menos um bom momento e ocasião para o fazer. A humildade, é a daqueles que de algum modo estão despojados do que os permitiria participar do debate; e a sobranceria, é toda minha. Peço perdão por esta, e também e sobretudo o peço, por não lhes conseguir dar voz como eles merecem. Vale-me a afirmação evangélica, que eles entrarão primeiro no reino dos céus do que eu, embora eu espere e anseie e tudo pense fazer para – também lá entrar.

Quanto à questão do aborto em si (que raio será isto?) que não se deixe de chamar os bois pelos nomes e agarrá-los pelos cornos. Chamo aborto à aniquilação dum ser humano em gestação. Naturalmente, talvez seja possível determinar quando começa o processo de vida humana pessoal.

O que me interessa aqui, todavia, é que uma imensa maioria das mulheres que abortaram, assim como uma menor maioria dos que as acompanharam, sabem que – foi um filho que mandaram à viola. Sei também que cada vez que uma criança nasce em amor, é como se o mundo inteiro se redimisse. Conheço quem não se atire da ponte, simplesmente porque há crianças que continuam a rir e a brincar. Mas a verdade é que estarei sempre do lado das mulheres que abortaram, assim como de quem as acompanhou e amparou, pois sei que apenas uma mínima minoria (e até, nem sei se há exclusões) o fez como se arrancasse um dente. Elas sofrem uma dor e uma coragem que nós homens nunca conheceremos directamente. A sua pena, já a sofreram para além do que qualquer juízo humano possa apreender, o que não se pode dizer do farisaismo que as condena.

A verdade então, é que não estou aqui para fazer qualquer tipo de campanha, nem convencer seja quem fôr a votar ou não votar seja o que fôr, o que aliás não é de todo o meu género. Poderá parecer ilegítimo a muitos então, a minha presença aqui. E devo dizê-lo, que é legítimo que tal lhes pareça.

O Manuel tomou o risco de me convidar para participar deste blog, conhecendo já o meu intratável carácter, e seja dito para os menos atentos, sem partilhar dos meus pontos de vista e vida ou dos que aqui tento trazer, ou melhor dito - sem que a questão se ponha. A liberdade e a confiança com que ele o fez, cada um poderá julgar delas. Quanto a mim, se este senhor é padre, isso mostra que o cristianismo e a igreja (ou as igrejas, o que será isto?) têm tudo para dar e dizer ao mundo, e o salvar. Tudo, entenda-se, o amor, pois que o resto cristologicamente – nada é.

E isto nada tem que ver com concordâncias teológicas, doutrinais, pastorais ou coisas do género.

Muito obrigado, Manuel, do fundo do coração, por seres como és.

Pronto.

E se nada legítima ou ilegitimamente impedir, a procissão de desatinados segue dentro de momentos.

Nota à nota: Talvez devesse ter começado por esta nota. Realmente, e não sei muito bem porquê, tenho a impressão que começo sempre as coisas de viés.

Nota à nota da nota: De viésissimo, a primeira mulher com quem fiz amor, engravidou, e acabámos por decidir abortar a criança numa clínica portuguesa. Foi uma coisa horrível, para ela, para mim, para a criança que não nasceu nem morreu espontânea ou acidentalmente, e para mais umas quantas pessoas que connosco o viveram (incluindo Deus e alguns anjos, sobre-evidentemente). Nada de dramatismos de pacotilha, claro, passam-se coisas bem mais e bem menos horríveis por este mundo fora. Mas não poderia deixar de o dizer. É uma das sombras de mim que sempre habitará a minha alma.

Nota à nota da nota da nota e à nota da nota e à própria nota: Ufa!...

8 Comments:

Blogger BLUESMILE said...

Simplistamente:

porque será que quem tem posições fáceis e certezas definitivas relativamente a esta questão são.
a) Homens
b) Mulheres sem filhos ou em idade em que já não podem engravidar.

Tenho observado em silêncio e questionado este padrão.

Do texto fulgente do Vítor, realço uma questão - deveria o Vítor e a sua namorada terem sido presos durante três anos?

Onde está a linguagem da misericórdia a que somos obrigados?

10:49 da manhã  
Blogger Pedro Leal said...

bluesmile

Deve ser do meio diferente em que nos movemos. Pelo meu lado, uma parte significativa das pesssoas que conheço a favor do Não são mulheres com filhos e em idade fértil.
A pergunta que faz eu respondo com duas perguntas:
Nas últimas décadas, quantas mulheres foram presas durante três anos por abortarem?
E, saindo o Sim vencedor do Referendo, concorda que uma mulher que aborte às 12, 19, 24, 36 semanas deva ser presa ou aceita o aborto livre até ao fim, natural, da gravidez?

12:45 da tarde  
Blogger lb said...

O meu respeito pela honestidade e coragem deste texto.
E os meus parabéns pelos inspiradores deste blogue para tê-lo convidado para participar nele.

12:58 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

(A propósito de um comentário a um post anterior e da resposta a esse comentário)
Se forem respeitados os princípios para o debate, atrás apresentados, há boas condições, sem ruído, sem a aparente inevitabilidade do choque violento. Tem razão Zé Maria. Vamos esperar que tudo corra pelo melhor, faz falta um fórum que não seja histérico e fundamentalistano pior sentido. Vamos esperar que possa ser aqui.
Afonso Lima

4:10 da tarde  
Blogger Manuel said...

Vitor,

No mesmo pacote desse teu "intratável carácter" está, também, esta tua täo humana capacidade de ser frontal e verdadeiro, com a crueza que a nossa humanidade sempre tem, ainda que às vezes pouco visível e em que tropeçam, às vezes, as nossas mais sinceras e profundas convicçöes.
É por isso que, independentemente de näo "partilhares dos meus pontos de vista e vida ou dos que aqui tento trazer", considerei que tinhas lugar neste debate, dentro dos limites mínimos aceites.
Espero, sinceramente, que esta diversidade dentro da unidade seja uma mais valia para o blogue e para toda esta discussäo.
Obrigado, também, por seres quem és.
Abraço

5:07 da tarde  
Blogger BLUESMILE said...

a) Penso que o David é "homem"...
( o que explica o tom do discursos)

b) Neste blogue do manuel, até agora, apenas os homens se pronunciaram a favor de penas de prisão pra mulheres que bortam em fases muito iniciais da gravidez.

Interessante.

9:35 da tarde  
Blogger Cingab said...

Um blogue sublime!...

12:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Vitor,

Também eu te dou os parabens pela tua coragem, e, respeitando a tua decisão e sem querer intrometer-me, pergunto somente se este não seria o momento para uma aprofundada reflexão.
O nosso caminho é feito de quedas, altos e baixos, e portanto, nem sempre fácil. Provas e mais provas que nos servem para nos colocarmos ora de um lado ou outro e a dar-nos certezas. Das quedas há que levantar e seguir, de outro modo, com outra verdade e visão. Com maior firmeza.
"“Eu sou o caminho, a verdade e a vida" - Se crês que as Sagradas Escrituras são a Palavra de Deus verdadeira, crês que só existe um caminho : Jesus. Que só existe uma verdade e que só existe vida em Jesus - a Verdade Absoluta.

Caímos por variadíssimas razões, tentações, e, levantamo-nos com outras; outra verdade e certeza. Outras decisões. É para tal que nos servem.

Não existem meias-verdades portanto. «Seja a tua palavra "Sim, sim; não, não" (Mateus 5:37) e só assim estamos no Caminho - para a Vida, crendo igualmente na Sua Misericórdia e infinita bondade e única Verdade.
Com toda a liberdade de (O) escolher. Este é um desses momentos, importante, que nos é dado.

Um grande abraço.

2:53 da tarde  

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