Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Valério, acto um

Isto passou-se há já algum tempo, numa época estranha, a dos meus dezassete anos. Andava fugido de casa, e não vos vou contar a estória toda, mas se conhecessem o meu pai admirar-se-iam de eu só o ter feito aos dezassete anos. Ou de não me ter atirado a um poço em criança. Ainda hoje me espanto, deve mesmo haver um deus que nos sustenta. Como eu aguentei aquilo, depois de a minha mãe ter adormecido para sempre com um festival de barbitúricos, deve ser a melhor prova do inagarrável sentido da vida que poderei alguma vez ressentir.

O facto é que aos dezassete anos, meti na mochila da escola os dois ou três livros que me faziam respirar um pouco, assim como a única fotografia da minha mãe, que guardara secretamente, e abalei sem escova de dentes daquela aldeiazinha amaldiçoada onde todo o movimento autêntico de vida era aniquilado como a pior das afrontas.

Vim para Lisboa, parecia-me que uma cidade grande era um óptimo lugar para nos esconder do que nos possa perseguir, assim como do passado que sempre nos assombra. E foi em Lisboa que a conheci, foi em Lisboa que ela me salvou, foi em Lisboa que o amor se abriu e me acolheu. Acerca disto, dizer tudo seria dizer pouco, quase nada. Ela viu-me num bar onde eu aportara, ali para os lados do Saldanha, um bar onde eu me sentara amedrontado na noite da cidade, os olhos de todos aqueles nocturnos habitantes e viandantes olhando-me como um estranho pequeno tão frágil de que até uma mosca urbana se pudesse aproveitar e abusar. Ela viu-me e pagou-me a cerveja e levou-me dali como um sorriso afasta o medo.

Ela também andava fugida, outra estória que então desta nada direi, ia fazendo o seu dinheiro diariamente para pagar o quarto da pensão e o resto, dum modo de que ainda menos direi, aquele quarto de pensão em que me acolheu e protegeu ali na Almirante Reis.

Bem, eu nunca tivera relações sexuais, e acabou por acontecer um dia, ou melhor, uma noite, e foi... Lembro-me do seu rosto olhando para mim, sorrindo no início tão serena, guiando-me no acto carinhosa e atenciosa mais do que alguma vez alguém fôra depois da morte da minha mãe.

O problema foi o preservativo. No meu nervosismo e até alguma vergonha, eu não pusera aquilo muito bem, não conseguira desenrolá-lo até ao fim, e quando dela me retirei o borrachete já vinha quase saído e pendurado, e tudo aquilo gotejava esperma e sei lá mais o quê.

E naquele momento de quase felicidade e suspensão de todo o resto do tempo e do mundo, naquele momento de só nós dois e mais nada nem ninguém entre nós ou à volta ou por dentro rangendo, ela apenas disse sorrindo:

- Não te preocupes, também... era preciso muito azar.

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"guiando-me no acto carinhosa e atenciosa mais do que alguma vez alguém fôra depois da morte da minha mãe."

Depois de desfeito o meu casamento, que não teve sexo nos últimos cinco anos ( passei, portanto, cinco anos sem sexo ), a primeira pessoa com quem fodi foi uma mulher, uma amiga. A recordação que conservo não é de sexo - é de ternura, carinho, como se uma flor de humanidade se tivesse aberto sobre mim. A situação que recordo não é o foder, em sentido estricto - é o adormecer agarrado a alguém; o acordar, estender o braço e tocar uma pessoa.

Porque há tanta gente que tem dificuldade em perceber isto?

ZR.

2:13 da tarde  
Blogger BLUESMILE said...

Eu não gosto de coprolália.
Muito emnos a sua utilização brejeira sempre que se fala em mulheres , sexualidade feminina ou controle da fecundidade feminina.
ou seja, proque é que os discursos sobre os corpos das mulheres e sobre afertilidade desembocam em termos grosseiros?
Duas explicações: o medo e a frustração.

A conclusão a que tenho chegado nos últimos tempos é que há muitos homens mal amados. São os que mais usam a expressão foder.

Como diria o Miguel Esteves Cardoso, o amor é fodido, sobretudo quando se anda mal fodido.
Talvez porque a "f. " mais abjecta tem em si a sede do amor e a oportunidade do mistério.

E as mulheres estão aí, nesse centro de tudo, onde os homens se perdem e se encontram.
Talvez por iso haja tanto medo das mulheres e do seu corpo e da sua vontade e do seu infinito poder. Do amor e da vida.
Um velha história, não é?

3:39 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O mundo dos homens é muito restrito. Têm um campo de visão limitado. Tudo se resume a uma coisa, a vida só lhes faz sentido assim. E isso ficou bem explicado naquilo que acabou de ser dito.
Mas quer queiram quer não, a mulher está a ter cada vez mais o poder de decisão na sua vida e que se reflecte em tudo. De dizer não e ser não mesmo e de saber quando é sim.

5:33 da tarde  
Blogger maria said...

Porra,

que isto está impróprio para cardíacos...

Este blogue, está a ser uma caixinha de surpresas.

É que quando se começa a falar da vida...como os nossos bispos aprenderam a dizer desde o seu começo até ao seu ocaso. Só que do modo como falam parece que se concentram na concepção e depois há um "salto no vazio" e vamos lá então falar da imoralidade da eutanásia. Mas é que há tanta morte pelo caminho...

E vida também, claro está!

7:24 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Achei este Blogue muito interessante.

Tomei a liberdade de o adicionar ao meu Blogue. Espero que não se importem.

Sugiro que visitem

http://violada_mas_nao_
vencida.blogs.sapo.pt/6198.html

Bem hajam

Alexandra Caracol

1:06 da tarde  

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