Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

sexta-feira, outubro 27, 2006

Aborto e imposição Moral

Um dos grandes argumentos usados para defender o voto no sim prende-se com a convicção de que o Estado não pode impor a moral aos cidadãos.
Tentemos analisar este argumento.

Ao longo do nosso dia cada um de nós faz inúmeros juízos de valor: sobre o tempo, o patrão, as relações que temos e outros assuntos bem menos triviais.
Também é o que acontece, quando um conjunto de pessoas se senta para procurar construir uma lei. Cada uma dessas pessoas tem uma determinada concepção de vida, valora de forma distinta aspectos da vida humana. Uma Lei não nasce do vazio. Qualquer lei tem como pressuposto um ou mais juízos de valor. Uma determinada perspectiva moral.

Neste caso concreto que juízo de valor será esse?
Parece-me esse juízo se pode expressar no modo como se responde à seguinte pergunta:


Será que o embrião humano se reveste de um valor tal que vale a pena defendê-lo e protegê-lo nas situações em que uma mulher considerar que não tem condições para ter um filho?

Colocada assim a questão pode parecer que se incorre numa simplificação. Mas esta aparente simplificação, não significa que a resposta não seja encontrada por intermédio de uma ponderação séria, por vezes tensa, dos valores em «confronto».

Em meu entender esta pergunta é prévia às considerações sobre o modo concreto como os valores aqui em confronto podem ser protegidos. Os mecanismos que se encontrem para defender estes valores terão que ser deduzidos da resposta que seja dada a esta questão.
Mas, qualquer que seja o valor que se defenda como prioritário, há sempre um juízo de valor, haverá sempre uma moral «imposta» pelo Legislador.

Pessoalmente entendo que o Valor “vida do embrião humano” deve ser protegido.
É bom realçar que a proposta que é feita não está pensada para situações específicas de problemas económicos, sociais ou psicológicos. Não digo isto para que se pense que se assim fosse a minha posição seria outra, mas julgo ser importante ter consciência que o único critério que está previsto é o da decisão da mulher.

Perante esta chamada de atenção poderá dizer-se:

1- Ninguém aborta porque quer
Se reconhecemos que ninguém quer abortar porque não nos empenhamos em criar condições para que isso não aconteça? Será que não estamos a pactuar com os motivos que tantas vezes estão na origem desta opção. O problemas económicos e sociais resolvem-se com medidas que os combatam na raíz, não com medidas de resignação.
Será que a melhor forma de minorarmos o sofrimento que está na origem desta situação é oferecer a possibilidade de um sofrimento ainda maior?

2-Ninguém é obrigado a abortar
Se usado pelos mesmos que usam o argumento anterior, parece-me que se entra numa certa contradição. Porque se ninguém aborta por querer e se os abortos acontecem, então é porque há situações que obrigam a tomar essa decisão, que forçam a liberdade da mulher que decide terminar com a gravidez.
Em meu entender a vitória do sim potencia essa pressão.
E pode conduzir a que a liberdade de mulheres que efectivamente não queiram abortar seja forçada.
Todos sabemos que nas entrevistas de emprego é frequentemente perguntado às mulheres se estão a pensar engravidar.
Ora uma mulher que se encontre numa situação de emprego precário (contrato a termo), e que engravide não pode ter nesta lei e em insinuações a ela ligadas uma forma de pressão?

Finalmente, por agora, queria dizer alguma coisa sobre a questão da Criminalização.
Obviamente que, imaginando o quanto um Aborto mexe com a intimidade da mulher e sobretudo, imaginando o sofrimento que este lhe provoca, fere a nossa sensibilidade imaginar que a tudo isto possa ser acrescentada uma pena.
A criminalização foi uma das formas que o legislador encontrou para expressar que entende como valor a defesa da vida do embrião humano.

Não conheço suficientemente os mecanismos do direito para saber que outras formas pode uma Lei encontrar, para expressar este mesmo valor.
Posso dizer que gostava que, nos casos em que o Aborto resulta de uma situação de sofrimento real que está para além da liberdade da mulher, isso fosse possível.
Mas não me parece que a solução para esta situação seja a despenalização (tal como é proposta é uma liberalização) do aborto.

E, entendo também que liberalizar o Aborto é impor uma moral à sociedade...

Nota: esta é apenas a minha primeira abordagem a este tema. A complexidade deste assunto implica que ele seja abordado a partir de várias considerações que não podem ser aprofundadas todas ao mesmo tempo e ao mesmo nível.
Implica também que por vezes, como aconteceu hoje, o textos sejam um pouco longos. mas prefiro, neste caso, ser longo e não ser lido do que ser lido correndo o risco de ser excessivamente simplista.

5 Comments:

Blogger Hadassah said...

Muito bem visto e bem dissertado. Parabéns.

1:01 da tarde  
Blogger paulo said...

Parabéns pelo blog e pela discussão séria que provoca.
É, de facto, uma questão complexa.
Mas o que me parece mesmo essencial é que todos lutem por promover a vida e acabar com o aborto. Até porque precisamos de bébés! Por isso devem ser criadas as condições para quem quiser poder ter filhos (creches, escolas, apoio aos pais no trabalho, etc, etc).
Quanto à questão criminal é uma discussão que me começa a enjoar: se todos concordam que uma mulher que faça um aborto até às 10 semanas não deve ir para a prisão, para quê criminalizar? É um crime sem castigo?
É um acto imoral, mas tudo o que é imoral deve ser crime? O adultério é crime? Não é. Mas é um acto ilícito (causa para divórcio) e é imoral.
Não era melhor concentrar esforços na luta contra os abortos? Até porque não acredito que o nº de abortos tenha qualquer relação com a lei. Antes tivesse, pois então a solução era fácil e barata.

6:10 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Penso que a lei não alterará as práticas. Poderá esta discussão ser produtiva, se se mostrar que os que estamos pela vida, não somos necessariamente dos partidos x e y (leia-se PSD, algum e PP), nem necessariamente católicos, cristãos militante de cruzinha ao peito. Somos pessoas que estruturam a sua escala de valores de determinada forma, sem cores, sem partidos, sem credos. (Sou católico, mas não considero que tenha de haver 'fusão' entre o que professo e o que sou, da mesma forma que será impossível que estas duas esferas surjam desligadas). Desejo ao blog um percurso saudável, sensato e construtivo, sem opção por campanhas com cartazes grotescos e slogans de mau gosto.
afonso_lm@yahoo.com

3:37 da tarde  
Blogger José Brito,sj said...

Obrigado a todos pelos comentários.
Paulo:
também me parece que o mais importante é atacar as causas...
desconfio tanbém que a opção da liberalização desresponsabiliza o Estado dessa luta!

afonso: se leu os 1ºs posts deste blog saberá com que disposições começámos este espaço.
concordo que há abordagens q sou aumentam o ruído e desviam do essencial...

12:17 da manhã  
Blogger BLUESMILE said...

...despenalizar o Aborto "é impor uma moral à sociedade..."???

Eu acho que é precisamente o contrário.

4:11 da tarde  

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