Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Vanda

Eu não sou cristã.

Mas vocês que o dizem ser, estão a milhas de perceber o que se trata quando é dito Procurai o reino dos céus e o resto virá por acréscimo.

Metem-me todos nojo, com as vossas certezazinhas acerca da vida e da morte e do amor, incrustados em estruturas ideológicas que perpetuam o vosso desespero e a vossa morte e a vossa vidinha neurótica, com as vossas familiazinhas e igrejinhas e empregozinhos de merda que defendem alienados, com os sonhos dos vossos desejos essenciais amarfanhados em projecções hollywoodescas de morte e desespero tornados conto cor de rosa para princesas e princípes que só no dragão concebem o seu amor.

Anacoretas que confundem o seu medo da vida com o anseio pelo divino – no melhor do melhor dos casos.

Anda praí tanta merda ideológica, que tem mais que ver com a estrutura machista que configura as nossas relações sexuais, afectivas, profissionais, religiosas, identitárias e por aí fora até às íntimas representações de nós próprios e dos outros, conscientes e inconscientes.

Ver a mulher como essencialmente (e obrigatoriamente, e éticamente) mãe e irmã e esposa, é evidentemente um ponto de vista masculino egotizado. Que nos habita no quase mais fundo do ser e do tempo.

Aliás, por compensação também, mas sobretudo por golpe de ataque a tudo isto mais que interiorizado, neste referendo, só as mulheres deviam votar. Separá-las, mesmo que simbolicamente, do jugo dos homens, é tarefa de libertação de ambos (homens e mulheres).

Enquanto a oposição dentro de nós nos divide e impede em absoluto qualquer tomada profunda de consciênca, deixem-nos foder o dia, vós que ao longo destes milénios de terror, acabaram por foder a noite.

Talvez então as trevas se dissipem, e possamos por fim ver o dia e a noite abraçados no seu esplendor.

Pobres merdosos patriarcais.

Do mesmo modo que vocês me amordaçaram a boca e a cona para ir a bordéis e fazer guerras e dominar o mundo diurno, eu saí para o mundo da noite, e com vagabundos ébrios e feiticeiras participei em orgias e tresvarios, desesperei e sacrifiquei bebés e beijei a boca do demónio, tal como vós o fazeis ao vosso modo. Somos o verso e reverso do mesmo contrato, são as trevas que nos reúnem, as mesmas desesperadas feridas e distâncias.

A minha voracidade já foi momento de libertação, atrevimento desesperado da harmonia perdida, esquecida, impossível de entrever. Os vossos olhos de morte nunca me poderão julgar. Não têm ponto de vista para tal. Teriam de enfrentar primeiro essa obliterada harmonia, que nunca conhecemos e que nos é dada imediatamente sob a forma do esquecimento e terror.

Eu já abortei e o quê que quer dizer se pequei ou não pequei ?… Fiquei doente física e espiritualmente, como ficam doentes os homens que guerreiam justamente… E então, querem fazer o quê ? Voltamos para trás, mulheres em casa e no bordel e abortando em degredo e desprezo ?... Só de pensar que há gajas que vão nesta conversa... Estremeço-me de nojo, escravazinhas dos patriarcas…

Reparem até… nenhuma gaja nos contributors deste blog.

Pobres homens e mulheres separados, interiormente divididos : mijo-vos na palavra.

Ainda é o mais educado que posso fazer.



Nota do Vítor: Por motivos e motores de vida e pensamento, eu não votarei no dito referendo nem não, nem sim, nem talvez. O que faço aqui, pergunte-se à Vanda.

12 Comments:

Blogger nahar said...

tambem criei um cantinho onde posso de alguma forma fazer uma pequena força pela vida...

http://quero-viver.blogspot.com/

3:12 da tarde  
Blogger Paulo said...

É uma opinião, um posto de vista diferente e, ainda que tenha razão em alguns aspectos, denota-se a vida amargurada em que vive, dai talvez aquilo que diz seja tão sentido como aquilo que nós dizemos.

4:47 da tarde  
Blogger Jorge Oliveira said...

Se essa pobre rapariga(?) que escreveu essas linhas desesperadas, tivesse sido abortada pela sua própria mãe, não teria tido (lamentavelmente) a oportunidade de mijar (sentada) na palavra dos outros.

4:52 da tarde  
Blogger Hadassah said...

Vanda,

Não concordo e não acho que deva ser uma questão só nossa ... das mulheres. Não vás por aí ...

Para mim é muito mais machista um homem que defende o SIM (nem todos, óbvio)... dá-lhe margem para ir à sua vidinha e acabar com preocupações acessórias ... descarta-se do assunto com uma pinta: "vai à clínica!".

Do que o homem que defende o Não, que à partida, sabe que tem um problema nos braços.

Não leves a mal, mas fiquei impressionada com a tua revolta tão profunda... (?)

Mas olha esquece as instituiçõeszinhas, a política, a religião e decide dentro da tua consciência. É o que eu vou fazer.

Um abraço,

4:57 da tarde  
Blogger Hadassah said...

Dentro da tua decepção, deixa-me ainda acrescentar que há homens com H grande.

Não são aqueles que são pró libertinagem .... esses estão-se a "c..." p'ra ti.

Um abraço,

4:59 da tarde  
Blogger Hadassah said...

Vanda,
Não leves a mal mas não consigo evitar de sentir uma grande pena por ti (não no sentido prejurativo)... a sério não sei explicar... mas sinto que deves ser uma pessoa extremamente sensível, que sente muito as coisas e que já deve ter sentido muito mal "na pele"... és inteligente ... e essa atracção pelo lado escuro...só mesmo pelo desencanto pela vida.

Desculpa esta minha presunção, de achar tudo isto,,, mas queria dizer-te que Deus te ama, à tua pessoa tal como és... e deseja que O busques para te libertar de todo esse sofrimento. A questão é que ele nos deu livre arbítrio de o escolher-mos ou rejeitar-mos. Ele tem necessidade que sejamos nós a dar o passo. Quando estamos em comunhão com as "trevas" tornamo-nos inimigos dele. Ele diz: "Vinde a mim todos os ques estão cansados e abatidos e eu vos aliviarei" ...

Não estou a falar de um Deus religioso, muitas vezes a religião (que é dos homens) serve apenas para nos por longe dele. A religião fica muito aquém do amor de Deus...

Um abraço com amor
Hadassah

conversassobredeus@sapo.pt

10:03 da tarde  
Blogger T. said...

Vanda, permite que te diga que sou mulher, e que se calhar poderia colaborar aqui. Seria questão de me propor, e seria questão de a minha vida, nestas últimas semanas a 200 à hora, me dar um espacinho entre prazos de coisas que estão por terminar.

Permite também que te diga que sou cristã, mas apenas desde há uns anos. E que te diga que era já adulta quando me converti, portanto sei qual era a minha opinião neste assunto antes de ser cristã. Era, já nessa altura, contra a descriminalização do aborto. Porquê, perguntar-me-ás tu? Será que acho que os homens mandam nas minhas entranhas? Não, claro que não. Nas entranhas de uma mulher entrará o sémen do homem a quem ela o permitir. Caso contrário, é violação, logo crime.

Então que argumento me convenceu nessa altura, antes de eu passar a ter fé? (não certezazinhas... pelo menos não no meu caso. No meu caso há dúvidas, e acredito apesar das dúvidas, como quem ama apesar de nunca saber se é apenas ilusão. Dá-se um passo no escuro e ama-se). Mas não posso perder o fio da meada. Nessa altura, além da certeza de que o embrião tem estatuto humano, logo merece ser protegido por lei, convenceu-me o argumento das Feministas pró-vida americanas (www.feministsforlife.org): as mulheres merecem melhor (sabias que as primeiras feministas eram contra o aborto, e lhe chamavam instrumento de opressão patriarcal?). As mulheres merecem melhor do que ficarem grávidas e abortarem a seguir. As mulheres merecem melhor do que ser-lhes posto nas mãos o peso de escolher, ainda sob o choque de se saberem grávidas, sob o choque emocional e mesmo hormonal (ou negarás que as hormonas nos mudam o estado de espírito e a maneira de ver as coisas?), se querem dar a vida ou tirá-la. As mulheres merecem melhor do que, se tiverem o filho em condições adversas, ficar subentendido "Tiveste o filho porque quiseste, podias tê-lo abortado, agora aguenta". As mulheres merecem melhor do que irem falar com familiares a pedir conselho numa situação complicada, dizendo "Não sei se sou capaz de ter o filho" e em vez de a ajudarem a sê-lo dizerem-lhe: "OK, então aborta". Ou dir-lhes-iam, caso elas duvidassem se eram capazes de continuar vivas: "OK, então suicida-te"?

Eu nunca abortei, mas isso não significa que não conheça quem o tenha feito, e que não tenha visto o resultado nessas mulheres. Isso não significa que não saiba que muitas vezes as mulheres não escolhem essa opção por quererem, embora não optem obrigadas (por coacção). Optam porque "no fundo, até queriam ter o filho, mas não vai dar".

Achas que sou contra o aborto por ser contra as mulheres? Não. Sou-o porque as mulheres não merecem ser mutiladas na alma por serem elas as que a biologia tornou capazes de trazerem um filho no ventre. O aborto, esse sim, é muitas vezes (e não me fales dos casos extremos, esses já estão na lei) um instrumento de opressão das mulheres, que nessa área continuam a ser exploradas, por vezes sem se aperceberem. Ou achas que se fossem os poderosos homens, os governantes, a ficarem grávidos e a parir que se iam sujeitar a uma intervenção que, como dizes tu mesma e de acordo com os testemunhos que conheço de mulheres que abortaram, deixa a pessoa que abortou "doente física e espiritualmente"? Por que hão-de ser as mulheres a carregarem sozinhas o peso da gravidez? Porque é na barriga delas que está o embrião? E não apareceu feito por ambos? Mais, não nos cabe a todos proteger a mulher grávida e ajudá-la? Porque temos de condenar essas mulheres a um luto desnecessário?

É sempre a mesma história. Somos nós que temos de pagar o pior preço. Somos nós que, iludidas, pedimos o direito a sermos mutiladas por dentro? Convencem-nos que, em vez do direito a não sermos discriminadas por parirmos (ou porque julgas que preferem um homem a uma mulher na entrevista de emprego? Não é por sermos fortes ou fraquinhas, é porque se ficarmos grávidas lá vão eles pagar um empregado que não está lá), devemos pedir o direito a exercer violência sobre as nossas entranhas e sobre nós mesmas? Que motivos levam as mulheres a abortar? Pior, que motivos levam mulheres que queriam o filho a abortar? Não nos estamos a esquecer delas?

Já escrevi imenso, e não falei de Deus, nem falei do direito à vida dos embriões...

10:30 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Vanda, como sabes, estou totalmente de acordo quanto à noção de legalidade/ilegalidade, e ralativamente à cisão feminino/masculino, acho que tocas numa ferida muito importante, mas quanto ao resto… Estás armada em conselheira espiritual?... Nas trevas da noite e do dia, cada qual tem o seu caminho… Pode devolver-se-te o teu modo de interpelação: Que sabes tu se há ou não cristãos?... Ou quem o é e quem não o é?... Bom dia, bom dia…

11:07 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Hadassah : A questão é que estamos todos em comunhão com as trevas, tenhamos ou não consciência de tal. Quanto maior a negação, mais comunhão há : a característica das trevas é não se mostrarem ou aparentarem-se luz. Isto não tem nada de mais, vocês todos os domingos se assumem, pelo menos formalmente, como pecadores. Quanto ao meu caso, tens razão, tenho uma costela luciferina, de não aceitação do terror da vida, e de revolta contra este. Talvez um dia Job me ilumine… mas duvido. Como poderia eu abandonar os filhos da noite ?... Aqueles que sofrem e fazem o que mantém as condições para os bem pensantes (os do não e os do sim e todo o resto…) se sentirem moralmente justificados, sentirem que não são criminosos, com as suas leis e argumentos e representações ?... Mas és um amor, e é do fundo do coração que te agradeço os teus comentários. Estás muito perto do cristianismo, e desejo que o inspires cada vez com mais força na religiosidade dos homens. Um abraço.
Tania Rocha: Tens toda a razão. Mas a questão é: o que muda com o sim ou não ao aborto? Não é uma questão de ética, mas de política real, contratualidade concreta. Tudo isto são manobras de diversão e confusão. Agora esta: de tempos a tempos lá teremos um referendo ao aborto para os gaviões organizarem o seu poder e negócio (sempre os mesmos, claro, na penalização ou despenalização e tudo o mais). É como com as drogas, com a prostituição, e por aí fora. Bem, e eu tenho um irmão que se baptizou em adulto também. Mas a verdade é que, baptizado ou não, todos os que se pretendem cristãos devem converter-se, ou melhor, começar a converter-se a dada altura da sua consciência adulta. Que cresças cada vez mais nessa decisão, é o que desejo. O meu problema aqui é outro. Quanto às mulheres e homens… estamos ambos mutilados… Milénios de forçar a afectividade e o doméstico para cima das mulheres, e a racionalidade e o público para os homens, mutilaram-nos a todos, homens e mulheres, no mais profundo da nossa consciência e comportamento. Estamos totalmente impedidos de escuridão, e sim, só um deus nos poderia salvar… Tenho dias em que… não sei… gostaria mesmo que os cristãos tivessem razão e verdade. Mas sobretudo, que tivessem acção. Eu nunca os vejo na noite, como o seu Mestre fazia… Dão esmolas, sopas e moralidadezinhas de merda… Ou tentam arrastar-nos para o dia sem mais… No fundo, nunca saem do seu lugar para ir de encontro aos outros… Quando vêm, é carregando o seu lugar e querendo impô-lo, simpática ou antipaticamente. Não fazem a mínima de quem é o outro… Desculpa a minha sinceridade… I have seen too much, wipe away my eyes, diz-se num filme, e também numa canção. Abraço, Tania, e força para ti.

Vítor: Pelas acções morre o conceito, como contigo… pequeno simulacro. Ou tens a desfaçatez de dizer aqui que segues na prática e constantemente, a inspiração do teu Mestre?... Quem não vos conheça que vos compre… Sabes muito bem do que falo… Bom dia para ti também.

1:27 da tarde  
Blogger Hadassah said...

Vanda,

É muito positivo da tua parte dares oportunidade ao debate e agaradeço-te isso.

Sem querer maçar-te mais...e esta é última vez que respondo... senão daqui a pouco cobram-me o aluguer deste "blog"...queria ainda dizer-te:

Tens toda a razão quando dizes que há falta de acção no meio cristão e eu acrescento que é devido há falta de amor. Os dois principais mandamentos de Deus são Amá-lo de todo o coração, forças e entendimento e a Amar o nosso próximo como a nós mesmos. E é sobretudo nesta última parte que todos nós falhamos.

Senão, provavelmente estariamos todos bem mais perto dos "filhos da noite" (como tu chamas)...

Deus avisou-nos:

"E por se multiplicar a maldade, o amor de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até o fim será salvo " Mateus 24:11-12


Ele tem necessidade que O amemos pelo que Ele É e não pelo que Ele faz. E o mesmo devíamos fazer pelo próximo. É essa a mensagem.

Alguém escreveu:"Ama a Deus e faze o que queres", porque o amor de Deus purifica as nossas intenções. (Agostinho)

God bless you
Hadassah

3:33 da tarde  
Blogger T. said...

Vanda: Estou sem tempo, mas com coração, só me resta o tempo para escrever isto: Já vivi nas trevas à procura de uma luz, alguma luz que me guiasse. À falta de luz, amei as trevas. Até que a luz me veio arrancar de lá. E por isso agora recuso-me a perder a esperança, apesar do desespero às vezes me tentar.

Quanto a nós, somos fracos. E a falta de sair do cantinho confortável para ir ter com o outro é, como dizes, um dos pecados mais graves que um cristão pode ter. Não é por acaso que o Cristo em que acreditamos nos avisa severamente disso mesmo.

Um abraço grande. És uma mulher com coragem, para te expores tanto, aqui, a nós. E do pouco que li, vejo que procuras a verdade. Continua. Se não lhe fechares a porta, um dia a Verdade aparecer-te-á no caminho. Não és morna, o que é um bom começo. Ter-te-ei nos meus pensamentos.

5:41 da tarde  
Blogger simples peregrino said...

Vanda...podes ter as razões todas, mas acho que as perdes quando ages e falas como escreves...todos temos qualidades e defeitos...eu tb acho que esta coisa de referendo(que nem devia ser referendada) é uma manobra de distração...mas acho que não podes querer partir a louça toda, por toma lá aquela coisa...e não te esqueças de que quando apontas um dedo a alguém tens pelo menos três a apontar para ti...o direito à vida é o primeiro e a base de todos os outros...mas sabes Deus continua a amar-te mesmo assim com a tua revolta...desilusão...nenhum de nós é santo...eu sou pelo Não...

7:29 da tarde  

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