A base religiosa da minha posição
Nota-se um certo pudor por parte de alguns cristãos em assumir a influência da fé na opção de voto no referendo.
Talvez isso aconteça pela vigência de um conceito deturpado de laicismo, importado da Revolução Francesa, que pretende afastar a religião do espaço público. Como se a convicção religiosa valesse menos que a opção ideológica ou filosófica. Ou como se a perspectiva agnóstica, ou ateísta, fosse a única com capacidade para lidar sensatamente com a vida do dia-a-dia.
Mas, para além do laicismo, também atitudes de ordem táctica podem explicar a timidez dos religiosos.
Muitos movimentos pelo Sim tentam passar a ideia de que este é um assunto eminentemente religioso, uma espécie de braço-de-ferro entre a Igreja Católica Romana e a “sociedade civil”. Um pouco na linha da questão do preservativo ou, recuando uns anos, do divórcio. Uma reacção anti-progresso social que irá acabar por se tornar obsoleta, dizem. Tentando fugir a esta colagem, os religiosos, mesmo não católicos, como eu, acabam por pensar duas vezes antes de argumentarem com base na sua fé. E talvez até seja prudente agir assim. Só que há um limite para tudo. E o meu limite, nesta discussão, chama-se vida humana.
Acredito que cada vida humana é preciosa para Deus e que ela começa no momento da concepção. Esta convicção, religiosa, projecta a minha posição sobre o aborto. O embrião, o feto, o bebé, tornam-se assim meus “próximos”, os tais que Jesus Cristo quer que eu ame como a mim mesmo. E eu não posso, a partir daqui, ficar indiferente à sua destruição.
Esta perspectiva, como se percebe, é a base fundamental da minha posição em relação à despenalização do aborto. Claro que me interessam outras áreas do debate e não reduzo, longe disso, a discussão à questão religiosa. Mas também não escondo que há um limite que não ultrapasso: o da vida humana. Sem sobranceria, mas também sem complexos, é este o meu ponto de partida.
15 Comments:
DAvid,
Tens razão no que dizes.
Tenho evitado a fundamentação religiosa deste debate precisamente pelas razões que invocas. E porque acredito que, embora com debilidades várias, é possível discutir o tema a partir de outros fundamentos.
Mas claro que a perspectiva aportada pela religão deve estar em cima da mesa com a mesma naturalidade com que se discutem as outras.
Reparei que ainda aqui não está o link do site da plataforma do não do norte: www.nao-obrigada.org. Força com o blog:)
Sobre o testemunho do cristão, gostaria que lesse o post que coloquei no blog queeaverdade.blogspot.com
Embora concorde que "talvez seja prudente agir assim", não podemos deixar de dar testemunho da nossa fé, de tudo em que acreditamos e onde forçosamente radica a vida.
Abraço
Eu sou católico (daqueles que têm necessidade dos sacramentos).
No debate sobre o aborto, não me parece que seja preciso meter a religião ao barulho, simplesmente porque:
a) o humanismo basta;
b) se o fizesse, entraria num diálogo de surdos porque usaria argumentos só totalmente compreensíveis por quem partilhasse da mesma fé - para se dialogar, deve haver a preocupação de se usar uma linguagem que o(s) interlocutor(es) descodifique(m).
Não há razões tácticas - eu não manifesto a minha opinião para vencer ninguém...
joaquim
Li o texto. Pois, este é daqueles assuntos que não oferece dúvidas quando se pega na Bíblia.
A questão da prudência aqui tem mais a ver com sabedoria, saber adequar o discurso à situação, do que com vergonha.
rui fernandes
Não sei se o humanismo basta. Pelo que vejo não me parece - grande parte dos adeptos do Sim afirmam-se humanistas.
Concordo com a adequação da linguagem, mas parece-me inevitável que, se o nosso ponto de partida é a religião, ela vá surgir, mais cedo ou mais tarde, no debate.
Eu julgo que vai haver vencedores e vencidos. Não falo no aspecto clubístico - Sim versus Não.Mas nas consequências sociais e humanas.
Sou cristão e manifesto-me decididamente pela defesa da vida.
http://taliquando.blogspot.com/2006/12/voto-no.html
David,
"afirmam-se humanistas". Mas será que o são? É legítimo perguntar, perante noções enviesadas de liberdade e dignidade que revelam. Utilizo o termo enviesadas, porque isso se afigura claro a quem, com boa vontade, leia o artigo postado no blogue do não: http://bloguedonao.blogspot.com/2006/12/quando-tudo-se-torna-claro.html
O link pró artigo: Quando tudo se torna claro
Caro Rui Fernandes.
Não percebi essa dos sacramentos... Todo o católico, aliás, todo o cristão necessita e anseia pelos sacramentos... Não está a dizer que prefere ir contra a sua consciência afim de poder canonicamente aceder às espécies eucarísticas, pois não?... Desculpe lá a ironia, mas não percebi mesmo... Se é alguma insinuação, diga. Acha que há cristãos que não necessitam de sacramentos?...
Abraço.
Vítor,
Admito que possa supor nas minhas palavras alguma insinuação, só pelo facto de não me conhecer. Porque se me conhecesse, eu tomaria isso como um abuso de interpretação :).
Foi só uma maneira de eu dizer que sou "praticante", nada mais!
Ok, Rui Fernandes, mea culpa... Nem pus essa hipótese... É que, porventura devido ao meu percurso, quando penso em católico, penso sempre em "praticante"... Peço desculpa ;)
David, só agora comento, apenas para dizer que acho a tua posição muito clara e, como tal, leal e merecedora de respeito.
Ainda gostava que me explicassem a lógica da(s) Igrejas ser(em) contra o aborto. Diz(em): já há uma vida. Logo, com alma. Certo. Agora, ao morrer, essa vida vai para o Céu ou o Inferno?
Se vai para o Céu, para toda a eternidade, segunfdo a teologia, abençoado aborto, que evita o risco deo inferno e garante a felicidade perene.
Se vai para o inferno (condenação eterna, segundo a "teologia" cristã), a alma da criança sem culpa nenhuma, então Deus é monstruoso, o pior e mais odioso de todos os juízes.
"E o meu limite, nesta discussão, chama-se dignidade da pessoa humana.
Acredito que cada Pessoa é preciosa para Deus e que ela não se reduz ao acaso da concepção. Esta convicção, religiosa, projecta a minha posição sobre o aborto. A adolescente grávida, a mulher, a jovem violentadas po uma gravidez não desejada, tornam-se assim meus “próximos”, os tais que Jesus Cristo quer que eu ame como a mim mesmo. E eu não posso, a partir daqui, ficar indiferente à sua destruição, nem ao seu julgamento, nem ao seu opróbio público.
Esta perspectiva, como se percebe, é a base fundamental da minha posição em relação à despenalização do aborto. "
Sobre esta pergunta, é que nada!!!!
Ainda gostava que me explicassem a lógica da(s) Igrejas ser(em) contra o aborto. Diz(em): já há uma vida. Logo, com alma. Certo. Agora, ao morrer, essa vida vai para o Céu ou o Inferno?
Se vai para o Céu, para toda a eternidade, segunfdo a teologia, abençoado aborto, que evita o risco de o inferno e garante a felicidade perene.
Se vai para o inferno (condenação eterna, segundo a "teologia" cristã), a alma da criança sem culpa nenhuma, então Deus é monstruoso, o pior e mais odioso de todos os juízes.
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