Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Nota 3, sejamos claros

Falemos do processo de gestação antes de se constituírem cérebro, nervos e coração.

O que está lá? O início dum processo de gestação dum ser humano. Um projecto. Seja. O que lhe doa humanidade é a apreensão desse futuro latente, esse anseio projectivo. Porque directamente e por si, nada há lá de humano, tal como comer sementes germinadas não é degustar frutos e legumes. O que lhe doa humanidade é a sua apreensão por fora numa mente humana, angélica, divina ou o que for.

Se mantivermos apenas o humano, suspendendo a presença de Deus e dos anjos e de eventuais outros – basta a negação dessa projecção e anseio humanos, para o processo se reduzir ao que é no imediato: um amontoado indiferenciado e indiferente de células.

É conceptualmente que um óvulo acabado de fecundar é um ser humano – consciente, reflexivo e dialogal.

Suspenso o divino e os anjos, quem tem o domínio dessa projecção conceptual? Se os pais ou a mãe a retiram, ou decidem agir em seu contrário, deve o Estado mantê-la? Em nome de quê?

Sejamos claros. Para mim, será sempre uma pessoa. Em nome do Deus da vida. Mas sem essa invocação – ou outra – sou forçado a admitir que a inviolabilidade do projecto se esboroa como um conceito cujo fundamento se perdeu na noite da alma.

15 Comments:

Blogger Pedro Leal said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

1:53 da tarde  
Blogger Pedro Leal said...

Por pura coincidência, acabo de postar, em parte, sobre o assunto.
Na verdade, “suspendendo do divino” o Homem tem carta branca para tomar qualquer opção. Pode ser em relação a um conjunto de células fruto da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, como pode ser em relação à raça ou ao estado mental ou físico. O Nazismo, tomando um exemplo extremo, mostra bem o que pode acontecer quando o Homem chama a si o papel de decidir sobre a humanidade dos outros.
Só mais duas notas.
Fora da esfera religiosa também há muita gente que aceita que desde a fecundação existe um ser humano.
Fica então por explicar, como já lembrou aqui o Manuel, com critérios se opta pela fronteira das 10 semanas?

1:55 da tarde  
Blogger Manuel said...

Mas, caro Vitor, o cérebro, nervos e coração são apenas aglomerados organizados de proteínas, sódio, potássio e demais ingredientes que constituem esta nossa sopinha biológica. O que é que há de qualitativamente diferente depois das dez semanas?

Pela tua ordem de idéias, o valor da vida humana, tenha ela 5 semanas, dez ou 40 anos, é meramente conceptual. Não matamos o vizinho à machadada porque um dia nos pusémos de acordo em que quem o fizesse seria penalizado. Decidimos que a melhor maneira de proteger a nossa vida era pormo-nos de acordo em tornar a vida humana importante e valorizável para lá dos nossos interesses individuais.
Eu não roubo porque a evolução da nossa conceptualização da vida nos levou a consagrar isso como um erro penalizável. Toda a nossa existência está regida por estes "acordos", consensuados culturalmente.
Se tirares isto tudo, ficas sem nada. Serás apenas um mamífero omnívoro, a lutar pela sobrevivência como todos os demais animais.

Uma das coisas que nos distingue é, precisamente, a capacidade de pensar sobre o pensamento, ou seja de elaborar reflexões conscientes sobre o que somos e sobre o que queremos ser, propôr metas e melhorar para as conseguir.

Antes de chegares às considerações que a fé faz brotar sobre a vida, é possível conceptualizar a coisa de muitas outras maneiras.

3:31 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Eh lá, David, que bíblico :P

Mas passa-se que Deus é um indefinido ou mistério, que permite inquisições e terrorismos em Seu nome. A decisão é sempre do humano. Isso é pura demagogia.

Abraço.

4:05 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Pois, Manel… mas o que eu quis dizer foi que o que se encontra objectivamente lá (não sei se até às dez semanas ou menos ou mais, não me aborreçam mais com isto, que raio, venham os biólogos ;) não é um ser humano, a não ser projectivamente. Nem todas as actividades reflexivas têm a mesma relação com o real imediato… Abraço.

4:06 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

E não desconversem, caros ambos.

A consciência reflexiva e dialogal não é aferível biologicamente?...

Não sei se é às dez semanas ou não, que raio, não tenho conhecimentos de biologia.

Sei que nem todos os amontoados de células, humanas ou não, pensam, reflectem, dialogam ou inter-relacionam-se.

Não me venham dizer que 1 segundo após a fecundação está lá algo que pensa, reflecte e dialoga… Ou vão?...

Não ajavardem os do Sim, mesmo não sendo o meu caso… :P

4:06 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Vítor,
Não acha que a natureza seria incoerente consigo própria, se o começo dum humano fosse logo num estado pensante, reflexivo, dialogante, ou de relação com outro que ultrapassasse o primário nível biológico? (relação biológica com um ser humano, existe - ou não?)
Cumprimentos.

5:09 da tarde  
Blogger Pedro Leal said...

Vitor

Entramos na Teologia (que não é o âmbito deste blog nem é a minha especialidade...) Mas sempre te digo que Deus também pode ser pessoal, como um pai, e que as inquisições e terrorismos que Ele permite, tal como as Clínícas de aborto e os pais que maltratam os filhos, são consequência da "liberdade" humana.
Quanto à "consciência reflexiva", esse é um parâmetro que tu achas importante. Eu, como leste, considero outros.

5:26 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Caro Rui Fernandes.

Claro que sim, e até haver desejo sexual, espermatozoides e úteros… E embora dependa um pouco do que se entenda por « natureza », digamos que as regras do habitat em que vivemos, assim como o nosso mui gentil comportamento, não primam pelo respeito e defesa dos mais fracos. Não sei se é isso que quer dizer com « relação biológica ». Se se refere a poder-se ter uma relação amorosa, social, etc, com uma gravidez, claro que sim… Até é possível tê-la antes da gravidez, como o filho sonhado do casal que ainda não teve relações sexuais.

Mas estamos a falar de jurisdição. E de graus de cidadania e participação no contrato social (visto estarmos, quer-se goste ou não, num Estado que se pretende ou apresenta como laico e liberal, e que o referendo parte daí). O que me parece, é que a noção que se deve juridicamente considerar úteros fecundados como seres humanos com plenos direitos civis autónomos da mulher grávida me parece algo problemática.

Um abraço.

6:28 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

David.

O meu disparo acerca da demagogia teve que ver com esse argumento dos nazis, nada mais. A brutalidade do nazismo não tem nada que ver com remeterem-se as decisões acerca do humano para Deus ou para as urtigas.

Eu não acho a “consciência reflexiva” importante ou desimportante para definir-se o humano – ou não é isso que está em jogo. Eu até acho que se deve defender as plantas e os animais, quanto mais… ou menos ;)

O que eu digo, e sobretudo porque estão directamente em jogo direitos e deveres de um inquestionavelmente humano que é a mulher adulta :P é que para avançar-se em determinações jurídicas acerca do assunto, se deve definir o que é “ser humano”. E parece-me que incluir uma fase inicial do processo (amontoado de células, antes de etc) é muito pouco consensual relativamente às diversas cosmovisões e antropologias que se contratualizam na sociedade portuguesa actual. O referendo, à partida, é também para aferir de tal…

Não estou a exprimir a minha visão, mas a problematizar a questão politicamente, que é o que está em jogo. Eu distingo o que penso e quero e acho bem ou mal, do que é lícito juridicamente (senão, até era pela proibição de certos programas televisivos;).

Mas percebo perfeitamente quando dizes que o teu limite é a vida humana. Mas terás também de compreender que a ideia de que o Estado ou a sociedade pode e deve obrigar as mulheres a levar as gravidezes até ao fim não se resolve com o simples silogismo: é vida humana, esta deve ser defendida, portanto a mulher aqui não tem voto pessoal na matéria.

Abraço.

PS: Tenho um amigo católico que diz que a igualitarização jurídica entre um zigoto e uma mulher adulta corresponde a uma idolatria recalcada do pénis :P

6:30 da tarde  
Blogger Manuel said...

Vitor,

Eu não estou a desconversar.
Se não aceitamos pontos de partida consensuados, podemos colocar tudo em causa. A começar por essa categoria em que tu pareces colocar "o humano", caracterizada por "pensar, reflectir e dialogar...". Isso é o quê? :)

6:30 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Manel, então?... Não tem cérebro, não tem coração, não tem estrutura nervosa... Que raio... ;)

6:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Vítor,
Vou tentar responder à sua resposta. O sentido do meu comentário anterior vai tornar-se mais claro, penso. Vai ser um pouco longo, espero que resista até ao fim :)
Alguns esclarecimentos primeiro:
«Não sei se é isso que quer dizer com « relação biológica »»
Não. Referia-me à relação entre o ser em gestação desde que se deu a concepção, e a mãe - esta já é uma inter-relação que, nessa fase, ainda é meramente biológica (o Vítor falou em inter-relação como critério).

«E embora dependa um pouco do que se entenda por « natureza » »
Temos mesmo que definir o que é a Natureza!? Não podemos partir do princípio de que ela se define por si mesma? Facilitava... Assim, perante a necessidade de partirmos dum ponto assente, vou supor que concordamos que a palavra Natureza designa para nós a mesma coisa.

Antes de chegarmos à questão jurídica, há que resolver a dúvida sobre se é ou não vida humana (aquela depende desta). E é possível resolvê-la desde que se aceite como suficiente a lógica, sustentada não simplesmente no abstrato (andar aqui com conceitos abstratos, não acho eficaz). Quanto à ciência, não lhe podemos pedir o que ela não pode dar. (Caramba, mas será que tudo é relativo!? Parece-me que com não muita dificuldade se pode concluir que o relativismo absoluto conduz à auto-destruição do Homem... e então nesta questão isso até acaba por se tornar menos difícil, por estar em causa, em última instância, a manutenção da espécie humana!)
A Natureza revelou-nos de si própria que o seu funcionamento tem inerente um processo evolutivo gradual. Conhecemos este princípio, não é abstrato e está na base dum raciocínio que entende o ser humano como um ser vivo em crescimento (ou evolução, ou transformação, ou...) contínuo, que atravessa fases distintas mais ou menos rapidamente, começando pelo princípio - a concepção - e terminando na morte (é lógico que comece pelo princípio!). Se virmos a coisa apenas do ponto de vista físico, esta realidade é constatável: se me olhar ao espelho hoje e comparar com uma fotografia minha de há 10 ou 15 anos atrás, é evidente que me transformei gradualmente. Se quisermos passar para um plano não meramente físico, também é perceptível no concreto que começamos por ser seres com existência num grau primário apenas biológico e, gradualmente no tempo, essa existência vai adquirindo riqueza e complexidade e deixa de ser exclusivamente biológica.
Tentemos agora fazer o outro percurso: partir da hipótese de que não é vida humana desde a concepção e, algures no tempo, passa a ser, e tentar fundamentá-la. Eu não consigo e não conheci, até agora, quem conseguisse sustentar no concreto tal hipótese. Tento fazer um exercício: dizer para mim mesmo se penso existir a tal continuidade entre a criança que sairá do ventre da mãe daqui a 10 minutos e a de 10 anos - digo: sim, é razoável. Depois, vou recuando no tempo ao longo de 40 semanas, e tento dizer a mim mesmo quando se dá a tal descontinuidade inerente à hipótese - digo: honestamente, não consigo.
Que raio, é assim tão difícil aceitar que um ser concebido a partir de dois humanos seja humano!? Por que razão não haveria de ser assim? Alguma vez uma parturiente deu à luz um jacaré, ou um macaco!? Não é o ser em gestação o mesmo indivíduo logo depois da concepção ou 1 minuto a seguir ao parto? Com que superioridade intelectual posso eu alimentar uma dúvida que nem sequer consigo fundamentar, quando mesmo ao lado há razões suficientes para que a não tenha? Mais: como posso insistir perante revelações da ciência, que tendem a confirmar o raciocínio que conclui pela humanidade do ser concebido (ou será esse raciocínio que vem das revelações da ciência? Humm... agora tenho dúvidas :) )? A ciência aqui não pode dar inputs válidos?

Chegados aqui, torna-se lógico que o nosso ordenamento jurídico proteja a vida do nascituro - ainda que com contornos diferentes, nalguns aspectos, da protecção dada à vida em fases posteriores, o que é razoável (por exemplo, antes dos 16 anos ou depois, o enquadramento jurídico também difere). Admitir que se não proteja com a lei a vida humana seria impensável, não? Mas como sou um perfeito ignorante sobre este assunto, apenas capaz de proferir afirmações de senso comum, prefiro citar a Sra. Dra. Mafalda Barbosa, que escreveu no blogue do não, em resposta a um comentário, o seguinte:
«
1. Ainda que V. tenha essas dúvidas (sobre a humanidade do ser em gestação), digo-lhe que o ordenamento jurídico português as não tem. Convido-o a ler alguns textos deste blogue sobre a matéria. Resumindo e simplificando, devo dizer-lhe que, por exemplo ao nível do direito civil, o embrião é tutelado nos seus direitos de personalidade e que se considera que o poder paternal – com o inerente dever de garantir a saúde e segurança do filho – se estende aos nascituros. Donde, sendo o sistema jurídico um só, é impossível deixar de ver no embrião um bem jurídico com dignidade penal, que urge ser tutelado. Mesmo os penalistas que defendem o sim admitem, sem problemas, essa dignidade do bem jurídico, questionando a pertinência da existência ou não do tipo legal de crime em nome da outra categoria de legitimação do direito penal: a eficácia. E é aqui que eu não consigo concordar com eles, exactamente porque não consigo discernir outro meio – ainda que menos gravoso para o arguido – de garantir essa protecção.

2. Eu entendo perfeitamente o que diz quanto à prisão das mulheres. Tanto entendo que lhe aponto vários caminhos para alcançar o seu desiderato:
a) Deixa de considerar crime o aborto praticado pela mulher e passa a considerá-lo uma contra-ordenação (não sei se para um militante do BE será a melhor solução, dado que a coima é fixada – ao contrário da multa – sem atender ao rendimento do arguido)
b) Passa a punir o aborto com uma pena de multa e deixa de prever a pena de prisão.
c) Continua a prever o aborto como crime e a pena como pena de prisão, mas entende que, caso a caso, e atendendo às particularidades do mesmo, o juiz pode não condenar a mulher a prisão efectiva, suspendendo a pena. Ora, isto já é permitido hoje em dia pelo nosso Código Penal. Donde eu lhe pergunto. Se eu entendo tudo isto porque é que o Daniel (e demais defensores do sim) não entendem que defender que o aborto seja crime até às 10 semanas não é o mesmo que perseguir mulheres e ter como desejo íntimo que elas sejam presas e encarceradas. Tudo dependerá do caso concreto, como em qualquer outro crime.

»

Mas, se mesmo em face disto a dúvida subsistir, ainda digo: o abortamento da gravidez faz com que não nasça um ser humano (ainda há dúvidas?); ou seja, impede que ele viva. Ora, isto não pode acontecer só porque sim (até às 10 semanas). Acho que isso é sem dúvida desumano.

Deixo-lhe um abraço.

12:21 da tarde  
Blogger Vítor Mácula said...

Rui Fernandes.

A minha questão acerca da natureza, embora não tenha importância, tinha que ver com entender o que o Rui quis dizer. Apenas porque há alguma tradição em associar o binómio necessidade/liberdade a natureza/espírito, e se fosse esse o caso… mas deixemos isso, visto que nada traz nem tira ao seu último comentário.

Ora claro que é vida humana (até o espermatozóide e é).
Claro que depois da fecundação é o início da gestação dum novo indivíduo humano.
E claro que há uma relação biológica entre a mulher grávida e o processo de gestação (esta é um pouco retórica:P)

O que já não me parece tão líquido, é que seja impensável que a lei proteja a vida dum indivíduo de modo absoluto Não sei se sabe, mas desertar do exército em situação de guerra é ou era até há relativamente pouco tempo (não vou verificar, e para exemplo serve assim;) o único crime que em Portugal é ou era punível com a pena de morte. É obrigação legal dar a vida em campo de guerra, como é legítimo o Estado limpar o sebo ao prevaricador. Não estão aqui em causa nenhuma (dis)cordância minha, nem comparação alguma com o problema do aborto. Mas serve que é tendencioso essa afirmação do valor absoluto do indivíduo (é por esta e por outras que há governos que se recusam a assinar a Carta do Direitos Humanos…)

E aqui toca-se a questão da relatividade. Esta como se sabe opõe-se a absoluto, isto é, algo que se mantém para lá de todas as circunstâncias. Ora os valores, que são instâncias formais como a Justiça, a Vida, o Bem, a Justiça, o Prazer etc são relativos de duas formas:

- ao caso concreto com que se confrontam e a partir deles é avaliado;
- entre si.

Ou seja, o seu sentido e aferição concreta dependem da situação e inter-relação (prioridades e coisas que tal). Por isso tem sentido ético morrer-se pela dignidade ou pela vida de outrem, e simultaneamente também o tem lutar para não morrer. Isto vai muito toscamente dito, mas penso que esboça o suficiente.

A absolutização de conteúdos dos valores constitui aquilo que na tradição cristã é um dos elementos da idolatria :P isto é, absolutizar algo que não o é. Ao contrário do que diz, considero que o que está a pôr em causa (e não em última instância) a manutenção da espécie humana, e até do seu habitat e restantes espécies são a absolutização de valores pelas diversas ideologias vigentes da nossa não muito amável História que prossegue no terror e na maravilha.

Ou seja, não é evidente, e para nos remetermos ao aborto, que a vida do nasciturno esteja acima de outro valor. Entendamo-nos: para mim, está quase sempre. Mas isso não doa nem universalidade, nem valor de contratualidade pacífica que é o que está em jogo nas leis da sociedade em que vivemos. A relação destas com a ética não é directa, isto é, trata mais da relação entre as diversas possíveis e efectivas hierarquias e dinâmicas que há em cada sistema de valores. Falta aqui imensa coisa que me vem à interrogação, mas por ora… fiquemos por aqui.

Há também, é claro, uma série de pressupostos mínimos de manutenção da civilidade.

Isto parece um pouco contrapontístico, mas pareceu-me mais interessante focar os pontos que me põem problemas, do que aqueles com os quais não tenho.

Não comento o parecer ou informação jurídica, visto que sou também um perfeito ignorante nessa matéria, e porque penso que os problemas que possamos debater são, digamos assim, anteriores à análise dum código penal específico qualquer. Acho evidentemente óptimo que se ponham aqui alguns pareceres jurídicos mais específicos, como é evidente, e neste caso tem algumas respostas relativas à pergunta do post, o que agradeço.

Quanto a fazer corresponder "a pedido da mulher" com "porque sim" é um duvidoso exercício retórico com os termos do referendo, para além duma calúnia às mulheres.

Um abraço, e bom fim de semana.

6:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Vítor,

Infelizmente esta resposta vem uma semana depois, mas espero que chegue a lê-la.

1. O meu desabafo quanto ao relativismo absoluto queria apenas pôr em questão a cultura vigente na sociedade dos nossos tempos, que sustenta no livre arbítrio individual ou de grupo a ideia do bem e do mal, conduzindo assim à relatividade das normas da acção. Quando refere o facto - comprovado pela História - de ser a absolutização de valores que põe em causa a manutenção da espécie humana, percebo bem o que diz. E é exactamente aí que estamos: no relativismo moral. Ao abrigo de tal doutrina, podem ser absolutizados maus "valores", "valores" que destroem. É este o risco.
Aquilo contra o que me insurjo é que se ponham em questão valores com benignidade intrínseca, que por isso mesmo não deveriam ser refutáveis; os bons valores encerram em si potencial construtivo e por essa razão devem estar acima do entendimento que sobre eles possam fazer um indivíduo ou um grupo. O direito à vida e a liberdade são disso exemplo. Falo dos tais "pressupostos mínimos" que o Vítor refere. É portanto neste sentido que me refiro ao seu carácter absoluto que não impede, como é evidente, que perante circunstâncias em que dois ou mais destes (bons) valores se contraponham, se possa considerar lícito o desrespeito por um deles, quando outro de igual importância esteja em causa. O nosso ordenamento jurídico, julgo, tem subjacente esta noção (o símbolo da balança terá a ver com isto).
O que é proposto no referendo vai ao ponto de subverter esta "mecânica", passando a considerar lícito o que é ilícito quando o valor direito à vida não está confrontado com outro valor igualmente inabalável.

2. «Quanto a fazer corresponder "a pedido da mulher" com "porque sim" é um duvidoso exercício retórico com os termos do referendo, para além duma calúnia às mulheres.»
Vou tentar explicar porque estou em total desacordo consigo (eu não precebo nada de exercícios retóricos).
Falo em "porque sim" pelo facto de não haver quaisquer restrições, nada a justificar (até às 10 semanas). E "porque sim" engloba, está claro, qualquer razão de conveniência; por exemplo, não desejar um filho naquela altura da vida - isto é um "porque sim", pela simples razão de que não desejar o bébé não pode tornar legítimo que se aborte a sua vida. Admitir como possível que uma mulher (infelizmente é só dela que fala a pergunta do referendo) possa por tais ordens de razão recorrer ao aborto, não é de todo uma calúnia às mulheres; é apenas a constatação da realidade, porque esses casos existem mesmo. Tal como pensar que há homens que violam crianças não diz nada quanto à minha ou sua opinião sobre os homens, baseia-se tão só na não ingenuidade sobre o mundo que nos rodeia.

Gostei da nossa troca de ideias. Desejo-lhe um bom Natal e um ano novo com muitos motivos de alegria.

Rui

4:38 da manhã  

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