Razöes do Näo

No próximo referendo sobre o aborto votaremos Näo. Aqui se tenta explicar porquê.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Preto e branco vs posição moderada

Estava escrito numa faixa de uma residência universitária: O único tirano que admito é a voz da minha consciência. Não gosto muito de aduzir verdades ou modelos universais (mea culpa, tenho alma de relativista), mas admito tratar-se de uma frase muito apelativa.

Considero o respeito pela consciência alheia uma regra de ouro. Cada um sabe de si e faz as suas escolhas. O julgamento das mesmas, a ser alguma vez feito, não deverá ser por mim. Afinal, quem sou eu?

Por outro lado, acredito na solidariedade (que, na lógica dos tempos modernos, passa muito pelo Estado). Acho que é uma obrigação estarmos do lado dos mais fracos, construirmos condições para que todos possam viver felizes e com dignidade, e para que possam realmente exercer aquilo que as suas consciências lhes dita.

É em nome dessa solidariedade - que considero uma obrigação, não uma opção - que o Estado tem de ter regras e leis, que nos protejam uns dos outros (infelizmente, nem sempre a consciência dos outros é garante de uma conduta aceitável). Acredito que essas regras devem ser reduzidas ao mínimo, e ficar dentro dos limites do senso comum, embora hoje em dia a regra pareça ser regular tudo (o que me assusta... estamos a entrar numa era em que somos tratados pelos legisladores como crianças, o que terá forçosamente de implicar uma falta de crédito pela posição individual de cada pessoa).

No caso específico do aborto, a questão não pode ser reduzida à consciência de cada um. Somos obrigados à solidariedade, e isso é nítido tanto do lado dos defensores do sim como dos defensores do não. Os primeiros centram-se nas mulheres que pretendem abortar (sendo omissos relativamente às que não querem abortar, e mais ainda, relativamente aos seres abortados, que excluem da lista dos que merecem solidariedade). Os segundos centram-se na defesa dos nascituros (condicionando assim, na sua lógica, a solidariedade "oferecível" a mulheres que queiram abortar a uma ajuda para poderem ter uma gravidez e uma maternidade dignas).

Não me parece portanto que o actual debate se baseie numa questão de consciência, mas sim numa de solidariedade. Quem é que consideramos merecedor de solidariedade? Numa lógica a preto e branco, quem escolhemos? As mulheres que querem abortar, os os nascituros?

Depois há a terceira via, mais moderada, que é a que está em vigor com a actual lei, em que se tenta atingir um equilíbrio. O ponto de partida é que o aborto deve ser condenado, mas há casos em que isso se torna humanamente demasiado cruel, ou em que há conflitos de interesses. Nesses casos sim, deixa-se o aborto à consciência de cada um.

Estou a favor da manutenção desta filosofia (admitindo que se possa rever aspectos como os da pena de prisão, que poderá ser substituida por outra). Acho natural - desejável até! - que se discutam os casos em que se deve permitir que o aborto seja uma decisão deixada à consciência da potencial mãe. Agora, simplesmente permitir que o aborto seja realizado em qualquer situação, considero que é uma falta de solidariedade para com os nascituros.

Poderão argumentar pela falta de necessidade de legislar, porque "não há mulheres que abortem levianamente". Discordo. Vivemos no mesmo país onde há pais que vendem favores sexuais dos filhos para compôr o orçamento familiar (podia arranjar outros exemplos, obviamente). É ingenuidade acreditar que nesta área tudo correrá bem...

2 Comments:

Blogger Manuel said...

Uma posição equilibrada e sensata. :)
As melhores soluções nunca são extremistas, mas de compromisso.

1:44 da manhã  
Blogger Três said...

De equilibrada e sensata é que esta posição não tem nada.

Fecharmos os olhos às condições desumanas em que as mulheres se submetem para fazerem os abortos (que só acontecem porque têm de acontecer e são a sua ultima opção) é tudo menos saudável e consciente.

Enfim. Boa sorte para nunca passarem por isso. Pode ser que as coisas más só aconteçam aos outros. Quanto a mim Espanha. Lá sim é que é saudável. Médico e hospitais. Saudável.

7:28 da tarde  

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